Ygor e Rayane estão esperando a mãe, que disse que "voltaria logo" para buscá-los. Mas a demora logo começa a demonstrar uma verdade que nenhum dos pequenos irmãos está preparado para entender... A de que eles foram abandonados na casa de uma estranha.
Moradora de Ipanema, Regina (Carla Ribas), aos 50 anos, tem seus próprios problemas. Acaba de se separar, a filha quer ficar com o pai e ela precisa sair do belo apartamento da família. A chegada das duas crianças é um problema que ela não pretende encarar. Conseguir alguém para retirar o sofá que carece de doação - "só tem que cuidar do frete" - é mais importante.
A carioca Sandra Kogut conta em Campo Grande essa história de realidades distintas. Como em seu longa de estreia, Mutum, a diretora o faz sob a visão de uma das crianças, Ygor, mas aqui também divide o tempo com a mulher receosa da responsabilidade que lhe foi imposta. E reside justamente no tempo uma das maiores qualidades do filme.
A cineasta usa de forma competente as elipses, sem preocupar-se em mostrar resoluções que seriam um tanto óbvias, saltando entre momentos e acontecimentos e fazendo passar as horas e dias sem muita marcação. A noção da passagem desse tempo vem do que está ao fundo, do ambiente, das caixas que vão sendo empilhadas, das embalagens que vão surgindo e na ausência cadenciada de móveis. Mais importante, vem das relações. Tudo isso enquanto suas câmeras ficam sempre bem fechadas nos personagens, focadas nos rostos e nos sentimentos, despreocupadas com o entorno, que teima em surgir transformado a cada cena.
Nas externas, mais abertas, fica claro, porém, que há outro protagonista em Campo Grande. O Rio de Janeiro, com uma cacofonia de obras e caos, espelha as mudanças dos personagens do filme. A cidade se prepara para o futuro, tenta se reinventar, mas simplesmente não consegue livrar-se do lixo e da pobreza, que brotam em quadro, como as crianças, na paisagem da classe privilegiada.