Cidade; Campo é um filme sobre migração e luto em dois sentidos: toda migração exige um luto do lugar de que viemos e o luto, às vezes, nos faz migrar. Dessa premissa surgem as duas histórias distintas que formam a narrativa do novo filme da diretora e roteirista Juliana Rojas, seu primeiro solo desde Sinfonia da Necrópole, há dez anos.
A primeira história é o relato potente de uma mulher que perdeu tudo em uma enchente e troca o trabalho rural pela vida em São Paulo, na casa de sua irmã, após muito tempo sem vê-la. A mudança exige adaptações de todo tipo: Joana (Fernanda Viana) depara com um núcleo familiar distinto; sua irmã cuida do neto, a mãe da criança não está presente no dia a dia do filho, com quem mantém contato pelas redes sociais. A linda interpretação de Viana cresce nesse aprendizado; junto ao sobrinho-neto, Joana toma contato com a tecnologia e, em troca, faz com que o menino se conecte mais com a natureza e as pessoas.
Conforme se encaminha para sua conclusão, essa primeira trama vai flertando levemente com o sobrenatural e tenta criar uma conexão com a história que virá a seguir - mas é uma tentativa temerária, dado que não conhecemos as personagens que aparecerão a seguir e essa conexão se presta mais a easter egg. O que é uma pena, pois, se as histórias estivessem invertidas, seria possível traçar um arco semelhante ao de Personal Shopper, filme de 2016 do cineasta francês Olivier Assayas, utilizando o sobrenatural como ferramenta para o desenvolvimento das personagens.
A segunda história, onde o mistério toma o centro da narrativa, é onde o filme se desencontra mais, ainda que o sobrenatural e o assombro sejam especialidades de Rojas. Com a morte de seu pai, Flávia (Mirella Façanha) se muda com a namorada para a fazenda que herdou, para construir uma vida mais conectada à terra. Lá ela busca entender como era a vida do pai e é surpreendida com eventos inexplicados. Apesar da atmosfera interessante, não fica claro qual a função das sugestões paranormais, nem como as personagens se sentem a respeito disso. Qual é o problema com a terra? É a exploração do solo com a soja? O que o espírito do pai (ou do mato) está tentando comunicar?
Cidade; Campo tem todo o direito de ser elusivo no que articula em relação ao sobrenatural (ou a qualquer coisa), e é até esperado que renegue uma certa funcionalidade quando tira suas personagens de ambientes de conforto e escolhe o tatear. Mas organizar o filme como um díptico - primeiro campo-cidade, depois cidade-campo - acaba sugerindo uma estrutura mais fechada e didática do que Rojas parece disposta a assumir. Ainda assim, a segunda história proporciona dois momentos memoráveis: uma sequência de dança misturada com movimentos do cotidiano agrícola (os ecos de Sinfonia da Necrópole, agora tirados da urbanidade) e uma serenata cafona e sensual ao som de Leonardo. Não é surpresa - vencedora de melhor direção na mostra Encounters do Festival de Berlim pelo trabalho em Cidade; Campo, Rojas mantém um trabalho estiloso com sequências muito potentes.
No fim das contas, o longa aborda temas interessantes e trabalha para investigar o modo como as pessoas precisam se conectar umas com as outras para sobreviver em qualquer lugar. Ironicamente, porém, a estrutura em duas histórias separadas acaba resultando em um distanciamento, transformando o filme em um joguinho de “qual história me agradou mais?". É uma escolha pelo episódico que, para além de não complementar muito na anteposição, se prova até antitética à proposta do filme.