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O filho da noiva (2001), de Juan José Campanella, é um drama emotivo com pano de fundo político. Clube da lua (Luna de avellaneda, 2004), o trabalho mais recente do diretor, é um filme político com cara de drama emotivo.
Isso já começa a ficar claro quando os atores Ricardo Darín (Kamchatka) e Eduardo Blanco (Conversando com mamãe) surgem em cena. NO filho da noiva ambos atravessavam crises pessoais, amores inconstantes, agravados pelo baque econômico da Argentina, que vitimou o restaurante de Rafael, o personagem de Darín. No novo filme a ordem das preocupações se inverte. A falência iminente do clube Luna de Avellaneda, antigo símbolo de alegria e fartura da cidade de Avellaneda, ao Sul de Buenos Aires, é a grande dor-de-cabeça de Román (Darín) e Amadeo (Blanco) - mas não bastassem os problemas eles ainda precisam lidar com casamentos falidos, desemprego, crises de meia idade. O clube, como o país, já viveu dias melhores: o filme abre com uma enorme quermesse nos idos de 1950, pau-de-sebo, jogos, barracas, baile com banda. Corta para os dias atuais: Román, sócio desde o nascimento, tenta enxugar as poças de água na quadra de basquete que antes servia de pista aos casais dançantes. Falta dinheiro para concertar o teto e para todo o resto. É a crise. O que um dia teve 8 mil sócios hoje não chega a mil. Só uns duzentos pagam a mensalidade. Dentro de casa a ruína se espalha. A esposa se diz negligenciada, o filho desempregado quer se mudar para a Espanha, não sobra a Román nem dinheiro para comprar um perfume decente. Como em todo filme político, o conflito principal da trama é um dilema coletivo. Manter o clube, fechá-lo ou vendê-lo? Alejandro (Daniel Fanego), amigo de adolescência e antigo rival de Román e Amadeo, trabalha na prefeitura, tem uns contatos. Ele chega com a proposta de um cassino que quer ocupar o terreno: se os sócios abrirem mão do Luna de Avellaneda, terão duzentos empregos garantidos na casa de jogatina. Pronto, arma-se a clássica dicotomia marxista: de um lado, os donos do dinheiro, do outro, a massa. Campanella não se acanha em tomar o partido - a começar pela caracterização nada lisonjeira de Alejandro, que para completar ainda derrota Román na esfera íntima. O clímax do filme, como não deixaria de ser, rola na assembléia de associados que decidirá o futuro do clube. Não que Clube da lua seja meramente um panfleto. A posição política de Román é também uma posição filosófica: um indivíduo só se completa quando a sociedade autentica suas realizações. A felicidade de um está no julgamento que os outros fazem dele - e não há felicidade maior para Román, ainda que isso signifique abandonar a família, do que prestar serviços aos associados do clube, às meninas pobres que fazem balé, aos velhos que têm um lugar para tomar uma cerveja. O caso é que o diretor soube equilibrar melhor a fórmula engajamento/emoção no filme anterior. É na porção emotiva que ele se sai melhor, dosando romantismo à moda antiga com as peculiaridades da modernidade (em O filho da noiva Rafael se declara à namorada pelo interfone do prédio; aqui a esposa de Román tenta alcançar um carro em disparada, clichezaço meloso, e pára no meio da corrida para ligar ao celular do motorista, sacada que derruba o clichê). Campanella tem talento, isso fica claro em uma ou outra imagem inspirada, como a alegoria do pau-de-sebo como o obstáculo quase intransponível a ser superado, em diálogos que não temem chegar às verdades mais profundas e doídas. Mas Clube da lua de certo modo sofre da pressão pós-sucesso de O filho da noiva, regra segundo a qual a continuação deve ser maior e mais intensa que a obra anterior. Acumula dramas paralelos demais (e por isso mal resolvidos, como o alcoolismo de Amadeo), discursos engajados demais, maniqueísmos demais. Campanella é um cineasta das pequenas coisas. Os grandes temas se revelam nos detalhes - no tiramisu que Rafael não consegue mais dividir com o pai, por exemplo. Aí está o problema: Clube da lua coloca os grandes temas acima dos detalhes