Quando O Enigma de Outro Mundo foi lançado, em 1982, John Carpenter tinha uma reputação de fazer terror com poucos recursos. Um orçamento maior permitiu que o filme - o primeiro do cineasta em um grande estúdio - investisse em criaturas de stop motion e maquiagem de ponta para a época. A reação inicial, porém, foi negativa; Carpenter teria se vendido ao espetáculo "sem alma" dos efeitos visuais.
a coisa
a coisa
Os anos corrigiram esse equívoco e colocaram O Enigma de Outro Mundo no lugar que ele merece. É uma das visões de mundo mais desesperançosas de Carpenter, presente em qualquer lista de filmes mais assustadores de todos os tempos. O prelúdio A Coisa (The Thing), por coincidência, também coloca os efeitos em primeiro plano. Há criaturas esculpidas de todos os jeitos. Mas Carpenter só existe um.
A trama se passa dias antes da história do longa de 1982 (que por sua vez refilmou O Monstro do Ártico, de 1951, baseado no conto "Who Goes There?", de John W. Campbell Jr.). Mary Elizabeth Winstead faz a paleontóloga Kate Lloyd, chamada para investigar a descoberta de uma nave alienígena perto de uma base norueguesa na Antártica. O alien congelado é desencavado, desperta, muito grito, muito pânico, a equipe descobre que ele absorve e imita humanos, muita suspeita, muita intriga - e a chacina transcorre como esperado.
O estreante diretor holandês Matthijs van Heijningen Jr. tem à sua disposição um arsenal de prostéticos e computação gráfica que permite mostrar o ET em suas entranhas mais detalhadas (nem adianta se perguntar como um insectoide primitivo tem uma nave tão moderna, o lado "científico" deste scifi deixa muito a desejar). É um show de deformações e apêndices de todos os tipos. Até as células do alien são bichinhos com tentáculos.
Visivelmente, o departamento de design torrou boa parte dos US$ 35 milhões de orçamento de A Coisa, em prejuízo do salário de um bom iluminador, um diretor de fotografia decente, um roteirista minimamente competente ou um diretor que saiba o que está fazendo. O filme de Carpenter é um marco porque consegue nos transmitir o horror do isolamento no Pólo Sul, enquanto A Coisa está tão preocupado com os efeitos que esquece de criar qualquer atmosfera de pavor.
Não dá pra chamar de "atmosféricas" as cenas em que um personagem olha desconfiado para outro e a música sobe sem sutileza, ou os momentos em que esperamos alguém se revelar monstro, mas a iluminação mal planejada não cria tensão qualquer. Se Van Heijningen simplesmente levasse parte da ação para o ar livre, o filme ganharia bastante: no escuro tudo fica mais amedrontador, e o cara com o lança-chamas não precisaria botar fogo na casa inteira.
O modo mecânico, desengajado como o holandês conduz o filme culmina na cena do helicóptero, já durante os créditos finais, que obviamente faz a ponte com o longa de 1982 mas não adiciona nada para A Coisa. Termina de repente, a ação se interrompe no meio, não há (de novo) uma preocupação em instalar um clima de suspense ou de indefinição. Não dá vontade de ver o que acontece depois, enfim.
Quando tocam, depois de tudo isso, os acordes que Ennio Morricone compôs para a trilha de O Enigma de Outro Mundo, fica a sensação de que não é uma homenagem ao clássico, mas uma usurpação.