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Conexão Escobar | Crítica

Bryan Cranston refaz o tipo Walter White em filme justamente sobre encenação

15.09.2016, às 14H12.
Bryan Cranston está fadado a conviver com a persona de Walter White? A comparação com Breaking Bad é inevitável diante de Conexão Escobar (The Infiltrator, 2016), suspense policial baseado na história de Robert Mazur, agente americano infiltrado no tráfico de drogas que ajudou a derrubar colaboradores de Pablo Escobar na ligação Colômbia-Miami.
 
Os trejeitos de Cranston - as reações de irritação, a boca aberta nos momentos de espanto - não negam: Mazur e Mr. White têm muito em comum em suas jornadas morais. Ambos se entregam a ofícios menores que represam seus talentos, e quando eles assumem uma vida dupla, o flerte com a ilegalidade desperta a ambição.
 
A comparação serve também para ilustrar como o filme do diretor Brad Furman lida com o novelesco. Se Breaking Bad disfarçava sua vocação para a teledramaturgia com pretensões cinematográficas de estilo, Conexão Escobar faz o oposto: abraça o melodrama naquela que é uma das caracteristicas desse gênero: seus personagens são antes de tudo figuras funcionais, arquetípicas, e todos eles se esmeram para exercer as funções que lhes cabem.
 
É como se Furman transformasse a premissa de seu filme de agente infiltrado - pessoas que aprendem a se comportar como outras pessoas - num exercício de metalinguagem. Estamos diante de personagens cientes de que se entregam a uma narração-esquema, tipos caricaturais que, de alguma forma, encontram uma verdade nessa caricatura, porque se convencem dela.
 
De início, como nas novelas, tudo é superfície em Conexão Escobar, tudo é imediato e descomplicado: vivem dizendo a Bob Mazur que o crime é um risco, uma sedução, há um personagem criado só para relembrá-lo desse risco (vivido por Joe Gilgun, o Cassidy de Preacher), e a sedução se materializa nos corpos femininos da boate, na ostensividade das roupas, dos luxos. A recompensa e o castigo estão sempre juntos, e o filme faz questão de manter sempre essa tensão, a exemplo de O Poder e a Lei - o filme anterior de Furman, também feito de personagens à vontade num esquematismo franco que ressalte a jornada moral.
 
Mas há um momento em que as coisas em Conexão Escobar deixam de ser tão simples, e é muito magnética a cena em que a personagem de Diane Kruger (a noiva de Mazur no esquema infiltrado no tráfico) conta ao chefão colombiano uma história de vida que não conseguimos dizer se é verdadeira ou não. Ao longo do filme vimos esses personagens se entregando de tal forma a seus tipos, suas funções, que de repente o que era funcional passa a ser mais autêntico, e dentro dessa proposta um filme que parecia bem modesto passa a ser um melodrama de grandeza.
 
E é curioso ver como, nesse jogo sinuoso, o filme nos pega desprevenidos em algumas soluções - como manter os flertes do colombiano para cima da loira só no terreno da insinuação, quando tudo indicava uma disrupção. Não deixa de ser reflexo do esquema: o colombiano não é agente infiltrado mas é mais um personagem que se contenta em fazer seu tipo apenas, sem uma ação que rompa esse teatro.
 
Não por acaso, o clímax só poderia acontecer - como nas novelas que terminam sempre reunindo o elenco num grande casamento - com um encontro apoteótico de todos os personagens do filme. É o momento de celebrar a metalinguagem, de forma quase felliniana, com a câmera dentro da cena acompanhando por todo lado um assustado Bob Mazur - um agente duplo cheio de recursos que tão bem desempenhou seu papel.
Nota do Crítico
Ótimo