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Problemático, Continência ao Amor agrada os devotos do romance incondicional

Novo hit da Netflix embala casal com discurso reacionário

22.08.2022, às 10H11.
Atualizada em 22.08.2022, ÀS 11H36

O apelo de Continência ao Amor, um dos mais recentes sucessos de visualizações da Netflix, parte de misturar três tropos de filmes românticos em um: o casal principal são opostos que se atraem, vão "de inimigos a amantes" e formam também um relacionamento inicialmente de mentira. O longa dirigido por Elizabeth Allen Rosenbaum - veterana em filmes para o público mais jovem como Aquamarine e Ramona e Beezus - tenta aqui colocar o pé também em temas mais sérios e adultos, enquanto manobra com os clichês dos desencontros amorosos, e peca quando precisa lidar com os desdobramentos morais do que narra.

O título original Purple Hearts (“corações roxos”) faz referência à condecoração militar e arrisca uma licença poética açucarada: mostrar como duas pessoas de mundos e convicções completamente diferentes podem encontrar e trilhar o mesmo caminho com o amor, sob o argumento de que “um coração vermelho e um coração azul podem formar corações roxos”. Conhecemos a jovem Cassie (Sofia Carson), uma garota latina e liberal cuja vivência a fez ficar completamente cética diante de romances, e Luke (Nicholas Galitzine), um jovem conservador que segue carreira militar e tenta impressionar seu pai, com quem rompeu laços há anos.

A construção dos personagens funciona o suficiente para que o público tenha um apego significativo por ambos, sobretudo Cassie. O filme se coloca num cenário e contexto que lhe oferece muito material para ser desenvolvido, aproveitado e criticado, mas que deixa absolutamente a desejar em todos os aspectos. Rosenbaum parece querer evitar que seu filme entre naquela categoria de romances terminais envolvendo problemas graves de saúde, e elege a diabetes como mote da sua história de um jeito insuficiente. Retrata-se bem nas cenas iniciais como é a vida de um diabético, mas perde-se a chance de explorar o desdobramento social disso. Da mesma forma, o filme não coloca em contexto a escolha de Luke pelas Forças Armadas, e o relacionamento paternal - que afinal seria a fonte de conflitos que definiu essa escolha - não é tão explorado.

O que acontece, no final das contas, é que o longa traz um cenário bastante dramático de obstáculos para o que mais importa - o romance de Luke e Cassie - mas tudo soa artificial nessa colocação, como se a jornada do casal fosse só uma corrida de obstáculos mesmo e não um processo de reflexão sobre esses obstáculos. O contexto de guerra propõe a incerteza de um final feliz e força (mesmo que sem querer) a empatia da personagem principal por aquilo que ela passou a vida inteira lutando contra. Mesmo que de forma indireta, Continência ao Amor traz um caso de uma mulher que acabou tendo de engolir seus princípios e ideais em nome de um relacionamento — sob a ideia de que pessoas muito diferentes acabam encontrando um ponto de equilíbrio eventualmente. O problema óbvio - e que está gerando toda a polêmica em torno do discurso político reacionário do filme - é que Cassie é a única a abrir mão nesse caso.

Por outro lado, o filme pode agradar aqueles fãs de romance de opostos dispostos a encarar um faz-de-conta basicamente definido pela devoção cega. Mistura diversos clichês e entrega situações e diálogos irresistíveis (muito por parte das atuações e entrega do casal principal) que por fim dão ao filme algo próximo do que poderia se chamar de um saldo carismático. É uma pena que haja muito pouco ou quase nada para se aproveitar quando o espectador parar para pensar nas implicações das escolhas feitas no filme "em nome do amor".

Nota do Crítico
Regular