Antes de mais nada, uma apresentação. Durante os anos 90, o Manchester United se consolidou como o time de futebol mais importante da Inglaterra, ganhando títulos e mais títulos. Um dos principais astros da equipe era um francês: Eric Daniel Pierre Cantona, ou Rei Eric, como os torcedores dos Red Devils cantam até hoje. Imponente em campo com a gola de sua camisa para cima e peito cheio, porém, Cantona tem como um dos lances mais famosos a voadora que deu em um torcedor do Crystal Palace, que lhe rendeu uma suspensão de 9 meses fora dos gramados. Na coletiva de imprensa, ele proferiu a célebre frase "Quando as gaivotas seguem o barco dos pescadores, é porque pensam que sardinhas serão atiradas ao mar", que encerrou a entrevista deixando jornalistas olhando uns para as caras dos outros. O longo período sem contato com a bola só aumentou a voracidade do francês, que ao retornar ao seu palco ajudou o time do norte da Inglaterra a criar uma hegemonia sem igual no futebol mundial.
À Procura de Eric
À Procura de Eric
À Procura de Eric
Muitos destes gols ainda estão na mente dos amantes do futebol até hoje. O roteirista Paul Laverty e o diretor Ken Loach são dois deles. Os dois foram procurados por produtores franceses para montar um filme sobre a relação entre Eric Cantona e um fã e conseguiram criar uma história de amor, com comédia, drama familiar, amizade e, claro, futebol. E provando que são realmente apaixonados pelo esporte bretão, não tentaram mimetizar o imprevisível jogo, preferindo usar imagens de arquivo de lances protagonizados pelo francês.
O lado humano de À Procura de Eric (Looking for Eric, 2009) fica nas mãos de Eric Bishop (Steve Evets), um carteiro que sofre de ataques de pânico. Em uma das primeiras vezes que teve um destes surtos, Bishop saiu de casa, deixando para trás sua jovem esposa Lily e a recém-nascida filha. Vários anos se passaram, a menina está prestes a se formar na faculdade, mas para isso precisa da ajuda de seus dois pais para ajudar a cuidar de sua filhinha enquanto termina sua tese de conclusão de curso.
O peso de ter abandonado sua família ainda pesa sobre os ombros de Eric, que vive com os enteados do segundo casamento, meninos totalmente fora do controle, que não ajudam em casa e estão cada vez mais perdidos pela falta de uma figura paterna. A única forma que Eric acha para relaxar é roubando um punhado da maconha de um dos meninos. E em uma dessas viagens, o próprio Eric Cantona aparece para ouvir, aconselhar com novos provérbios e fazer companhia fumando junto. É Cantona interpretando a si próprio, mas sob o endeusado ponto de vista de um fã.
A imagem icônica de Cantona na parede do quarto de Eric Bishop mostra um cara extremamente confiante e é isso que Cantona tenta passar ao inglês. Em uma das cenas, o francês ensina seu fã a dizer "NON!" com ênfase e significado, o que o ajuda a colocar ordem em sua casa. Com a ajuda dos amigos do correio, ele resolve outros problemas pessoais, dando sentido à frase que abre o filme: um lindo passe de Cantona para um de seus colegas no Manchester United que termina em gol. "É preciso confiar nos amigos de sua equipe", profetiza o ex-jogador.
Além de fazer rir e emocionar, Loach e Laverty também aproveitam para tecer uma crítica ao atual estágio do futebol, em que clubes cobram fortunas de seus fãs, se tornam cada vez mais ricos e, consequentemente, elitistas, privando de suas arquibancadas o trabalhador comum, como os carteiros. E assim os dois provam mais uma vez que gostam e entendem de futebol. Não apenas o que acontece dentro das quatro linhas e envolve 22 pessoas correndo atrás de uma bola, mas também de seus bastidores. E que também entendem e amam uma história bem contada, pois você não precisa saber nada disso para entrar no cinema e se divertir com o filme. Basta saber que Eric Cantona é uma lenda dos gramados que acaba de ser eternizado também na sétima arte. Que belo passe ele deu ao chamar Loach e Laverty para contar essa história!