Abraços Partidos (Los Abrazos Rotos), o novo filme do espanhol Pedro Almodóvar com Penélope Cruz, fala da paixão pelo cinema - a julgar, sobretudo, pela única redenção possível para o seu protagonista - mas termina sendo muito mais marcante como retrato da paixão do cineasta por sua musa de Tudo Sobre Minha Mãe e Volver.
Penélope interpreta Lena, uma aspirante a atriz que, depois de se tornar companheira de um empresário milionário, seu antigo chefe nos idos de 1992, consegue a chance de estrelar Garotas e Malas, a primeira comédia do diretor Mateo Blanco (Lluís Homar) depois de uma série de dramas. Algo de fatídico aconteceu durante as filmagens, porque quando a trama avança até 2008, ano da morte do empresário, Mateo está cego e Lena é apenas uma lembrança.
A metalinguagem já presente em Fale com Ela e Má Educação - pontos de virada na carreira do diretor, em que, não por acaso, ele usa ficções dentro da ficção para tecer comentários sobre temas e estéticas do seu passado - toma conta de Abraços Partidos por completo. Garotas e Malas, o filme dentro do filme, é um Almodóvar à antiga: releitura kitsch de comédias de relacionamento e de melodramas hollywoodianos dos anos 50.
Do lado "de fora" de Garotas e Malas, temos o cineasta Mateo, com sua paixão arrebatadora por Lena, e a tragédia que acompanha essa obsessão pela imagem e pelo som da musa. Almodóvar espalha elementos sensoriais que ecoam essa obsessão: ele faz o close-up até em chapas de raios-x para dar conta da necessidade de se nutrir com tudo o que vê.
Esses simbolismos, depois de um tempo, não escapam do esquematismo e sufocam o filme. Pode até haver verdade, por exemplo, na cena em que o diretor fotografa Lena chorando enquanto assiste a Viagem à Itália, mas a demonstração exacerbada de cinefilia flerta com o artificialismo. O fato de Almodóvar inchar uma trama até certo ponto simples com nódulos questionáveis (o que querem dizer aquelas cenas do DJ e das drogas, afinal?) dá a impressão de que Abraços Partidos quer ser mais complexo e sensível e profundo do que de fato é.
Felizmente há Penélope. Não há expressão de cinefilia mais pura e descomplicada do que ver a espanhola fazendo caras e bocas de Audrey Hepburn, e nessa troca de afagos entre cineasta e musa o cinema de Almodóvar resiste ao desbotamento.