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Crítica

Crítica: Abutres

Pablo Trapero tateia o cinema de gênero em um filme que, no discurso, representa um retrocesso

13.10.2010, às 10H16.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H09

Antes de vencer este ano o Oscar de melhor filme estrangeiro com O Segredo dos Seus Olhos, de Juan José Campanella, a Argentina tentou em 2009 com Leonera e para 2011 apostará em mais um filme de Pablo Trapero, Abutres (Carancho, 2010). Faz sentido não só por Trapero ser uma das principais grifes do cinema hermano, mas principalmente, dentro da lógica da Academia, porque Abutres é uma tentativa do cineasta aproximar-se dos filmes de gênero, mais acessíveis do que o cinema lacunar que os argentinos fazem tão bem.

abutres

festival do rio 2010

carancho

O suspense policial começa com alguns dados: na Argentina morrem todo ano mais de 8 mil pessoas em acidentes de trânsito, uma média de 22 por dia, e mais de 120 mil ficam feridas. Isso gera os abutres do título: advogados que batem ponto em hospitais à espera de vítimas para acionar as empresas de seguro, e ganhar uma fatia gorda das indenizações. Sosa (Ricardo Darín) não só domina o lado emocional - saber o momento de se aproximar de famílias de luto - como se arrisca numa atividade mais marginal: encenar acidentes em Buenos Aires.

Tudo isso tem um preço, claro, e Sosa já começa o filme sendo surrado, fato que se repetirá. Parece apropriado que seu interesse romântico surja na figura de uma enfermeira novata na ronda dos acidentes, Luján, vivida pela esposa de Trapero, Martina Gusman. Em Leonera, seu melhor filme, o cineasta defende que o ambiente se molda a partir do uso que as pessoas fazem dele. O fatalista Abutres diz o oposto, e Luján e Sosa só encontrarão redenção no dia em que experimentarem na carne tudo aquilo a que assistem de fora.

Provar na carne é, ademais, a maneira que o diretor encontra para injetar vigor no cinema de gênero. O sangue impregna Abutres como evidência do real, mas também por seu impacto mais imediato, um efeito visual que não se esperaria do diretor de Do Outro Lado da Lei.

Não é uma transição fácil, essa que Trapero tenta fazer entre o cinema de observação, sua especialidade, e o cinema de situações-base (momentos como a brincadeira do semáforo ou a cena de Sosa carregando o caixão são de um simbolismo bem superficial). Nos thrillers policiais há todo um script de moralidade a ser seguido, e o diretor parece um pouco desconfortável diante dessa exigência. Se Trapero continua acreditando no potencial transformador de viver as coisas de perto, a quente, Abutres diminui esse potencial ao vitimizar Sosa e Luján, presos na crônica moral.

Em resumo, sair da zona de conforto do "cinema de autor" e tatear gêneros representa um passo adiante. Fazer um filme com o velho discurso de que é o sistema que está doente - contradizendo Leonera, embora Martina Gusman apareça atrás de grades em ambos os filmes - é um retrocesso.

Nota do Crítico
Bom