Há quarenta anos, Woodstock uniu pessoas, ideais, todos os credos e todas as cores, tocou milhões de almas com sua utopia psicodélica de liberdade e igualdade. Esse blablablá você já deve estar cansado de ouvir. Difícil é encontrar uma única pessoa, no meio daquele meio milhão de hippies, cuja vida tenha de fato mudado com o festival de rock mais famoso de todos os tempos.
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Aconteceu em Woodstock (Taking Woodstock), o primeiro filme hollywoodiano do diretor Ang Lee depois de Brokeback Mountain, basicamente é o esforço para buscar (e tentar acompanhar, no meio daquele mar de gente) essa uma pessoa. O eleito é Elliot Tiber. Como diz o seu livro de memórias, Taking Woodstock: A True Story of a Riot, A Concert, and A Life, no qual o filme se baseia, Elliot foi o responsável por levar o festival para a pequena cidade de White Lake, no interior do Estado de Nova York.
Interpretado pelo comediante Demetri Martin, Elliot presidia a câmara de comércio da cidadezinha, com um festival de música local anual debaixo de sua responsabilidade, quando a vizinha Catskills expulsou Woodstock de lá - afinal, nomes como Joan Baez, Janis Joplin e Jimi Hendrix atrairiam uma população de hippies que os locais temiam. Com algum empurrão, Elliot decidiu então trazer o festival (que leva o nome de outra cidade, Woodstock) para White Lake.
Não vale aqui narrar como se deu a montagem do festival numa pastagem, com hoteis capengas, ameaças de mafiosos, muita mídia, muitas kombis, algum teatro e incontáveis baseados. A graça do filme está nessa transformação da paisagem de White Lake, e não há como descrever isso aqui, a contento. O que dá para dizer é que o excelente elenco está num nível de casting (atores parecem ter nascido para aqueles personagens) comparável ao das melhores séries de TV dos EUA. Não falta humor, nem música.
Mas voltemos à ambição inicial e principal de Lee. Como seguir um protagonista quando, inevitavelmente, o festival a certa altura se tornará o ator principal? O diretor consegue com a inestimável ajuda do diretor de fotografia Eric Gautier. Muitos críticos cosideram-no o melhor operador de câmera em atividade hoje no mundo - como dá para constatar em filmes como Clean, Medos Privados em Lugares Públicos e Horas de Verão - e aqui o francês não decepciona.
Com a câmera na mão firme mas fluente - e principalmente com agilidade para encontrar pontos de interesse num enquadramento sempre em mudança e em movimento - Gautier dá ao filme aquela cara de documentário, de registro de acasos, e não perde Elliot de vista. Quando o personagem vai atravessar uma multidão na rua, opta-se pelo plano-sequência. Quando vai ficar fora de quadro, Lee resgata o maneirismo de dividir a tela, como fez em Hulk. Por exemplo, se em cena a câmera subjetiva nos põe no lugar de Elliot, observando os entornos, a tela se divide em duas, campo e contracampo, para não deixarmos de enxergar seu rosto.
Saber sempre como Elliot reage ao que se passa é uma obsessão do filme, e Demetri Martin consegue convencer, nessa exposição constante. Mas, claro, Gautier não é onipotente. A certa altura Woodstock vai mesmo se impor, e o arco dramático de Elliot parece se arrastar um pouco, com uma sucessão de quase-finais, na segunda metade das duas horas de filme. É como se o arco se encerrasse no momento em que o festival se torna realidade, quando no fundo ainda há pontas soltas na subtrama de Elliot. O filme se alonga para resolvê-las, naquelas horas da manhã em que bate a ressaca do fim de semana de shows.
De qualquer forma, a eleição de um protagonista privilegiado faz muito bem ao filme. Por meio de Elliot, podemos nos identificar e nos colocar numa posição que, dado o gigantismo e a mítica de Woodstock, quatro décadas depois tende a perder sua real dimensão.
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