O grego Aquiles corre 9 metros por segundo, como ilustra com uma animação o início de Aquiles e a Tartaruga (Achilles to Kame, 2008), mas nunca conseguirá, numa disputa, alcançar o lento animal - porque a cada passo ele estará a décimos de segundo da tartaruga, depois a centésimos de segundo, depois a milésimos de segundo, e assim por diante.
Aquiles 2
O ator e diretor japonês Takeshi Kitano usa essa filosofia matemática como alegoria, para nos dizer que todo artista é um Aquiles: corre atrás de uma perfeição que nunca se alcançará. Machisu, no caso, foi levado desde criança a acreditar que sua vocação na vida era ser pintor. Machisu perde os pais, perde os tios, perde o emprego, perde os amigos - cresce, enfim, até a vida adulta, dentro dessa progressão aritmética tragicômica - mas não perde a sua arte. Sempre acompanhado da sua boina cor de vinho.
O próprio Kitano, que no início de carreira era artista plástico, interpreta, adulto, este Aquiles nipônico, em cenas hilárias que sintetizam a impossibilidade de expressar plenamente uma vida numa tela em branco. (Vou contar só uma: Machisu pede à sua esposa que o afogue alguns segundos na banheira, para depois ele conseguir pintar com mais "sentimento".) A forma como o cineasta satiriza a arte pós-moderna rende gargalhadas bem à moda Kitano, agridoce, banalizando a morte.
Não custa lembrar que Kitano, também formado na comédia, ganhou fama nos anos 90 estrelando e dirigindo filmes policiais, e é à violência, por mais poética que seja, que ele sempre acaba voltando. Nesse sentido, Aquiles e a Tartaruga está ligado a Zatoichi (2003), filme sobre um samurai cego em que o sangue voa pela tela de forma estilizadíssima, plástica mesmo. Ambos os filmes tratam da forma como se representa a violência, e sangue é o que não falta em Aquiles e a Tartaruga - ainda que seja numa tela toda pintada de vermelho.
Talvez esteja aí a prova maior de que o personagem é um alter-ego do diretor: a obsessão com a morte e com a arte de Machisu é também a obsessão de Kitano.