Bróder (2010) começa num quartinho no Capão Redondo, zona sul de São Paulo. Amanhece, mas está escuro ali, e um vulto se move para atender o celular. As gírias e as palavras mastigadas sugerem o estereótipo do negro da periferia, mas sai do quarto para a luz ninguém menos que Caio Blat. Sai meio tropeçando no overacting, é verdade, mas compramos rápido a ideia de que Caio Blat mora no Capão.
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Todo o filme do roteirista e diretor Jeferson De, sua estreia em longas-metragens depois de uma premiada carreira nos curtas, monta-se em cima dessa ideia da inadequação, mas não de forma ostensiva. A sacada do título - em São Paulo se diz "mano", e não "bróder" - já sugere essa tentativa torta de aproximação, de procurar na comunidade um lugar para si.
Blat interpreta Macu, que mora com a mãe Sônia (Cássia Kiss) na casa do seu padrasto, Francisco (Aílton Graça). É aniversário de 23 anos de Macu, e dois amigos de infância chegam para a festa: o astro do futebol Jaiminho (Jonathan Haagensen) e o pai de família Pibe (Silvio Guindane). Ironicamente, embora Jaiminho e Pibe tenham muito mais o "perfil" do Capão, Macu é o único que ainda mora na periferia.
A trama se passa ao longo desse dia, até a manhã seguinte, quando Macu, dividido entre a fidelidade aos antigos amigos e a tentação de trabalhar para o crime, não poderá mais adiar sua decisão. Bróder tem o mérito de não banalizar esse conflito (embora seja mais do que evidente, como em toda jornada de redenção, de que lado ele ficará). O crime assusta, mas é etéreo. Com exceção de um ônibus queimado no começo da Av. Juscelino Kubitschek - como que divisando à beira da Marginal os limites entre a periferia e o centro - Macu nunca tem direito a dimensão do que significaria aderir à violência. O que Macu conhece é a linguagem, as bravatas, o discurso.
A diferença entre ter pose e ter atitude está no centro de Bróder. Cineasta de reafirmação da cultura negra, o paulista De, natural de Taubaté e formado em cinema pela USP, criou em 2000 o manifesto Dogma Feijoada para defender a representação do negro no cinema nacional. Ao eleger Blat o seu protagonista "negro" em Bróder, com apoio de Ferréz na pesquisa e aval de Mano Brown na trilha sonora, Jeferson De tira da questão racial o que ela tem de sectária. Sua transição para os longas-metragens, exibida em Berlim e premiada em Gramado, é também um grande passo para esse debate.