Os épicos históricos tradicionalmente são um gênero "A" em Hollywood, desde os tempos de Cecil B. DeMille com suas superproduções bíblicas nos anos 20, década em que o primeiro Ben-Hur da MGM, de 1926, já tinha o orçamento mais inchado da história. O diretor Neil Marshall, por sua vez, tem afinidade com a estética e os temas dos filmes "B". É desse choque atemporal que surge o trabalho mais recente do diretor inglês, Centurião (Centurion, 2010).
centurion
centurião
Michael Fassbender vive o personagem do título, Quintus Dias, que estava num regimento que acabou dizimado pela tribo dos pictos na fronteira do Império Romano com a antiga Escócia. A resistência dos pictos incomoda Roma, que então destaca a mítica Nona Legião para rumar ao norte e vencer de vez os selvagens escoceses. Quando tentava escapar em direção ao sul, Quintus é salvo pela Nona Legião. Em instantes, sob o comando do General Virilus (Dominic West), o centurião se vê novamente na frente de combate.
Quintus e Fassbender personificam o arquétipo do herói dos épicos tipo "A": leal ao seu comandante, justo com os companheiros, delicado com as mulheres e sensível às injustiças cometidas ao seu redor. Todo o resto de Centurião tem pegada de filme classe "B", desde o elenco de aspirantes (Imogen Poots é a sub-Scarlett Johansson que dava pra pagar) até a tendência natural às metáforas políticas.
Marshall pode mudar de gêneros - foi do terror de Abismo do Medo para o thriller pós-apocalíptico de Juízo Final sem tropeços - mas não tem medo de recorrer sempre às soluções mais baratas e popularescas. O que não é e nunca foi, necessariamente, um demérito. Centurião se desenrola como um descomplicado filme de perseguição cuja maior preocupação estilística, inicialmente, é encontrar sempre formas diferentes de matar.
A sangueira e a coreografia das lutas são caros a Neil Marshall, e se Olga Kurylenko não fosse tão inepta com uma lança nas mãos o resultado seria até mais vistoso. Existe um fundo dramático em Centurião, mas, na melhor tradição do "B", o drama é reduzido ao mínimo - a última coisa que um filme desse tipo quer parecer é pensado demais - para dar espaço à ação. Em Centurião, apenas Quintus e a guerreira picta vivida por Kurylenko mencionam seus antepassados. É desnecessário perder tempo dando uma história pessoal aos demais personagens.
Não se deve menosprezar o trabalho de Marshall só porque suas ambições são modestas. Nos créditos finais, ao prestar agradecimentos a Walter Hill e Xenophon, o diretor demonstra que sabe bem onde o seu Centurião se enquadra. Hill é o diretor de Warriors - Os Selvagens da Noite e Xenophon, o pensador grego que escreveu Anabasis (relato que muitos interpretam ter servido de base para o próprio Warriors). Assim como seus predecessores, Centurião trata de um grupo de combatentes em fuga que, diante da derrota, questiona a própria razão de lutar.
São perdedores conscientes, enfim, e não heróis triunfantes, os personagens que tornam Anabasis, Warriors e Centurião tão autênticos. Só um bom filme "B" para saber que também existe valor na história dos excluídos e dos derrotados.