Direito de Amar
Direito de Amar
Direito de Amar
Mas também há a outra máxima, que para toda regra há uma exceção. Nessa categoria entra este Direito de Amar (A Single Man, em tradução cafona adotada pelos brasileiros), dirigido pelo estreante Tom Ford.
Aqui se faz necessário um parêntese dedicado ao personagem por trás do filme. Ford não é cineasta - ou não era, até agora -, mas um esteta, não importando sua profissão do momento. Até 2004, o texano era primariamente estilista. Passara 10 anos à frente da Gucci, revitalizando a imagem da grife italiana perante o mercado do vestuário de luxo como um poço de sensualidade. Para quem não acompanha moda, acredite: ele é um dos nomes mais importantes das últimas décadas no assunto.
A invenção de se largar ao cinema veio na seqüência, quando pediu demissão por "diferenças criativas" com os executivos da marca. Na época ainda restrita ao fashion people, a decisão soava como excentricidade de um workaholic desalentado com a profissão. Pois depois de cinco anos de gestação, o neocineasta lembrou que são as excentricidades que ainda movem o mundo. Taí Direito de Amar, a sua prova máxima.
E o que um estilista tem a provar para uma geração de cineastas que trocaram o plano-sequência pela câmera tremida? A começar, que o cuidado infinito com a estética de um filme ainda é moeda de troca (graças!). E que quem inventou aquela da imagem vs. mil palavras não estava falando bobagem.
Tom Ford é escolado no assunto. A moda, nos últimos anos, vem ganhando cada vez mais estilistas que se metem a fotógrafos, diretores de arte e produtores de filmes publicitários - e ainda fazem um bom trabalho. A indústria de consumo de roupas, perfumes e afins é baseada basicamente na construção de imagens. O produto pode ser uma bobagem, mas tem potencial de venda infinito se embalado por bonitas campanhas publicitárias.
É este o caso de Direito de Amar, que só se beneficia com o know how dos comerciais de moda. E ainda tem a vantagem de não ser, nem de longe, uma bobagem de produto.
O filme é baseado em um romance semiautobiográfico do britânico Christopher Isherwood, que causou polêmica ao ser lançado, em 1964. A sinopse percorre um dia de um professor universitário, homossexual, que passa todo o tempo digerindo a morte do companheiro, com quem viveu por 16 anos.
O longa é praticamente um monólogo de Colin Firth, que vem colecionando merecidos prêmios pela sua atuação. Firth convive com coadjuvantes de luxo: Julianne Moore e a revelação adolescente Nicholas Hoult (o menininho de Um Grande Garoto), que se envolve com o professor enlutado. Todos em atuações acima da média, coordenados por um diretor acostumado a tirar leite dos pedregulhos que são as modelos de 13 anos.
Firth segura como ninguém os questionamentos do personagem, que devem atingir em cheio a audiência mais sensível e principalmente o público gay. O enredo discute temas espinhosos, como a aceitação dos relacionamentos homossexuais pelas famílias e pela sociedade americana dos anos 1960. Vai na trincheira aberta por Milk, mas cobre o lado menos politizado e mais humano da coisa toda.
Angústias à parte, e apesar do trabalho de Firth, a estrela do filme é mesmo a direção de arte. O apuro estético de Tom Ford, que passou a vida passando mensagens através de alguns metros de tecido, é o que conduz a trama e as emoções do público.
Pode parecer exagero, mas não é. Com as devidas proporções, Ford tem uma linha de pensamento parecida com David Lynch, mas sem se apegar a metáforas nonsense. Ou seja, tudo ali tem um significado que dá sentido ao conjunto.
Um exemplo óbvio são as roupas, coordenadas pelo diretor com a superfigurinista Arianne Phillips (Hedwig, Johnny & June e Garota, Interrompida no currículo, além de turnês da Madonna). Os óculos do protagonista, por exemplo, foram escolhidos a dedo para marcar a sua fragilidade. E quando Firth os tira, é quando tudo desaba. Seus sapatos e gravatas (atenção ao detalhe do nó windsor) também são peças-chave, assim como o suéter peludo de Hoult.
Mas a viagem estética não fica só nas roupas. Há a iluminação, os jogos de câmera e os efeitos nas lentes. Há os megacloses sensoriais nos poros da pele dos personagens e em cada detalhe dos coadjuvantes.
Ford é um homem de fetiches. Pelos cheiros e outros sentidos, pelo sexo, pelas memórias e pela elegância da vida. E gasta todos seus cartuchos em Direito de Amar. Para quem o conhece bem, é um jogo de gato e rato para decifrar suas mensagens. Para os não iniciados, há no mínimo um filme muito bonito de se ver. Felizmente, sem nenhum demérito nisso.
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