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Crítica

Crítica: Dois Irmãos

A família e Daniel Burman

04.10.2010, às 14H10.
Atualizada em 09.11.2016, ÀS 13H06

Daniel Burman não conhece outro tema que não seja a família. Palavras dele, não minhas, mas não é preciso ser crítico de cinema para perceber isso. Ninho Vazio, As Leis de Família e O Abraço Partido, seus longas anteriores, refletem sobre os laços indissolúveis entre familiares. Em Dois Irmãos (Dos Hermanos, 2010) não é diferente.

Dois Irmãos

Dois Irmãos

Dois Irmãos

A trama acompanha Susana e Marcos, os dois irmãos do título. Ela, uma espécie de trambiqueira, que ganha a vida com pequenos rolos no mercado imobiliário. Ele, um solteirão sexagenário que perde seu rumo quando a mãe idosa morre. Depois de uma transação mal-executada, não sobra alternativa a Susana se não vender a casa da mãe e mandar seu emasculado irmão ao Uruguai, onde ele vai viver em uma casa antiga em Villa Laura, fruto desse investimento equivocado. Porém, do outro lado do Prata, Marcos acaba fazendo amizades... e subitamente a ideia de felicidade não parece impossível. Pelo menos até que Susana interfira outra vez.

Graciela Borges (O Pântano) e Antonio Gasalla, que vivem os protagonistas, fazem a diferença em um roteiro que, em outras mãos (ou em um país obcecado por sua televisão), poderia facilmente transformar-se em um novelão. Conduzido pelo argentino, o roteiro inspirado no livro Villa Laura, de Sergio Dubcovsky, torna-se exemplo de qualidade de atuação, excelente condução de atores e narrativa cinematográfica sem excessos.

As emoções em Dois Irmãos, afinal, jamais são exacerbadas e os diálogos sempre carregam realismo dramático. Há sutilezas em cada sequência, com Burman usando - como ótimo diretor que é - o enquadramento para contar mais que os atores em cena estão dizendo (atenção no velório da mãe, sem convidados, foco no rosto de Marcos enquanto a irmã matraqueia).

E Susana matraqueia o tempo todo... algo que o argentino usa como contraste entre os dois - tão próximos mas tão estranhos um ao outro. Ele ouve, ela jamais se cala. Ela tenta vencer, ele se dá por vencido. O mundo dela sempre invade o dele primeiro através do som, como na cena em que ele, concentrado em seu trabalho de ourivesaria, começa a escutar o burburinho de mudanças lá fora... é mais uma vez Susana chegando, com direito a papagaio na gaiola. Ou quando ele vê seu trabalho na cozinha ser interrompido por marteladas lá fora. Susana está do outro lado do rio, mas sua presença se faz ouvir.

A ideia é empregada várias outras vezes, como no celular silencioso de Marcos ("no hay roaming, Susana!"), nas conversas dos vizinhos inexistentes e no clímax, quando, enfim, é a vez de Marcos falar - e de Susana ouvir, ainda que não necessariamente da maneira como você possa estar imaginando. Burman não é assim tão previsível.

Fica a ressalva, porém, ao uso óbvio de Édipo Rei como a peça a ser encenada na peça dentro da trama. Ainda que não seja criação do cineasta, mas algo presente na obra adaptada, fica a sensação de que a criatividade portenha poderia ter buscado uma saída melhor para essa ideia batida. O sapateante final me pareceu igualmente dispensável, uma maneira de dar ao público algum alento extra para tirar aquela última camada de tristeza. Bobagem... o cinema de Burman já seria alento suficiente.

Nota do Crítico
Ótimo