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Crítica

Crítica: A Epidemia

Remake faz a crônica de um mundo em transformação na melhor tradição de George Romero

19.08.2010, às 18H56.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 14H06

Atribui-se a George A. Romero o pioneirismo no trato de zumbis como metáfora social, mas os filmes do cineasta são, antes disso, crônicas sociais com elementos de horror. Em outras palavras, Romero não insere o cotidiano em seus filmes de morto-vivo, mas mortos-vivos em seus filmes sobre o cotidiano.

epidemia

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Bastam 10 minutos de O Exército do Extermínio (The Crazies, 1973) para constatar isso. Uma cidade rural dos EUA é de súbito tomada por uma inexplicável endemia de fúria. Os contaminados perdem o controle, como o pai que incendeia a própria casa com a família dentro. Rapidamente os militares isolam os doentes, mas por trás da impessoalidade dos trajes sanitários brancos e das máscaras de gás ainda há uma identidade a se preservar: vemos nesse começo de filme um braço tatuado por baixo da roupa, o major que briga com a máscara para poder fumar ou alguém preocupado em colocar meias na mala antes de deixar sua casa.

Tanto nos filmes de zumbi de Romero quanto nessas variações de contágio (O Exército do Extermínio saiu cinco anos depois de A Noite dos Mortos Vivos e cinco antes de Despertar dos Mortos) existe uma preocupação em manter a rotina - como uma bóia, no meio do inexplicável, que impede que os sobreviventes afundem. Não por acaso, sempre tem uma grávida no meio da história, para representar a esperança de que tudo volte a ficar bem. Para os personagens de Romero não há nada mais importante do que a normalidade.

E isso a refilmagem A Epidemia (The Crazies, 2010) reproduz bem.

Já na canção que abre o remake, "We'll Meet Again", Johnny Cash canta: "Mantenha-se sorrindo, como sempre você faz, até que o céu azul afaste as nuvens escuras para longe". As nuvens escuras que cobrem Ogden Marsh, no Estado de Iowa, se formam mais devagar do que no filme de 1973. Mas não demora até que o xerife David Dutten (Timothy Olyphant) e a sua mulher grávida, a médica Judy (Radha Mitchell), percebam que tem algo errado no ar.

A opção que o diretor Breck Eisner faz pelo formato mais horizontalizado do scope (janela de 2,35:1) é essencial nessa construção de atmosfera. Tudo parece se mover muito lentamente em Ogden Marsh, como ceifadeiras que passam uma tarde inteira atravessando um campo de trigo, e o horizonte mais largo amplia essa sensação. Seja na rua central da cidade, ou no jardim com piscina da casa do prefeito, a profundidade de campo é expressiva. Se há um desastre ali esperando para acontecer, ele tem espaço de sobra para se mover.

E quando finalmente começa, a epidemia do título rompe com tudo o que estava estabelecido. Rompe com o tempo (Eisner acelera o ritmo dos eventos e mantém boa tensão entre um tempo forte e outro), com o espaço (tudo que era espalhado vai ficando claustrofóbico, como a ótima cena no lava-rápido) e transforma de fato Ogden Marsh. Na cidade onde as máquinas mais modernas são tralhas agrícolas que parecem instrumentos de tortura, a modernidade do exército já é, em si, uma agressão.

E repare que não há, ao contrário de outros filmes de levada apocalíptica, a televisão mediando o fim do mundo. Ninguém busca rádios ou a Internet para tentar entender o que está acontecendo. A imprensa só surge em A Epidemia depois dos créditos finais. O isolamento e o torpor de Ogden Marsh dariam a impressão de que estamos décadas no passado, não fossem pequenos elementos em cena, como um Nintendo DS na mão de uma criança. De qualquer forma, os personagens ali, apegados a hábitos ancestrais, estão sendo forçados a lidar com o futuro.

Não é difícil encenar os efeitos de hecatombes que deixam metrópoles em escombros ou transformam paisagens em desertos. De filmes com previsões pessimistas Hollywood está cheia. Difícil é encenar de um jeito convincente o vislumbre da derrocada, o início do fim. É aí que A Epidemia se diferencia.

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Nota do Crítico
Ótimo