De Apocalypse now (de Francis Ford Coppola, 1979) a Bom dia, Vietnã (Good morning, Vietnam, de Barry Levinson, 1987), muita coisa já foi dita. Provavelmente, até mesmo os fãs dos filmes de guerra já devem estar saturados de Falcões Negros, Corellis e correlatos. Lógico, sempre que aparece um Terra de ninguém (No mans land, de Danis Tanovic, 2001) a gente agradece, mas qual será a razão de existir de uma produção como Fomos heróis (We were soldiers, 2002)?
Fomos Heróis
Fomos Heróis
Fomos Heróis
Fomos Heróis
Mel Gibson resgata o mote dos grandes confrontos, como em Coração valente (Braveheart, dele mesmo, 1995) e O patriota (The patriot, de Roland Emmerich, 2000). Depois de O homem da máscara de ferro (The man in the iron mask, 1998), sua estréia na direção, Randall Wallace dirige a película. Ambos buscam responder a pergunta. Fomos heróis baseia-se em um episódio real da guerra, numa época em que a maioria das pessoas ainda nem sabia onde ficava o Camboja.
O filme inspira-se no livro We were soldiers once... and young, que Harold Moore, tenente-coronel do exército dos Estados Unidos, e Joseph Galloway, repórter fotográfico, finalizaram em 1993. Moore e Galloway - Gibson e Barry Pepper no filme - são dois sobreviventes de uma das primeiras e mais sangrentas escaramuças do conflito na Ásia, que durou de 1959 a 1975. No final de 1965, Hal Moore liderava o Primeiro Batalhão, quatrocentos combatentes, em missão na chamada Zona de Aterrissagem Raio-X, no Vale La Drang. O local ganhara o apelido de Vale da Morte na metade dos anos 50, quando os vietcongues, guerrilheiros comunistas do Vietnã do Norte, exterminaram as forças ocupantes da França, que dominara, por décadas, toda a região da Indochina.
Mesmo com o funesto retrospecto, mesmo sem conhecer o terreno ou os números da tropa adversária, mesmo com um escalão jovem e inexperiente, o tenente-coronel acata as ordens de seus superiores. O resultado, obviamente, não poderia ser mais desastroso. Subitamente, num terreno sinuoso do tamanho de um campo de futebol, 2.000 vietcongues surpreenderam os norte-americanos, numa batalha que durou três dias. Galloway chegou no segundo dia e, além de registrar as cenas do massacre, ainda precisou pegar em armas e se defender. O episódio serviu de estopim para a verdadeira guerra. Até 1974, morreram 180.000 vietnamitas e 40.000 soldados dos Estados Unidos.
Análise
Fomos heróis é um filme patriótico, como deve se imaginar. Em alguns momentos, no entanto, a produção extrapola no viés, começando pelo apelido do Batalhão de Moore: Sétima Cavalaria. O nome relaciona-se com um agrupamento da Guerra Civil dos Estados Unidos, chefiado pelo general George Custer (1839-1876), que acabou dizimado durante um confronto com índios Sioux. Em outras palavras, o ataque aos vietnamitas é considerado tão legítimo e heróico quanto o ataque aos índios durante a colonização.
Para provar o que estou falando, vamos aos números. Em 138 minutos de filme, a primeira hora exibe as esposas dos soldados, as lindas filhas loiras de Hal Moore, o treinamento pesado dos norte-americanos e muitas referências religiosas. Tirando o massacre dos franceses, só quando começa o conflito aparece o primeiro vietcongue, apitando, correndo como um louco com sua baioneta. Aliás, os quase cinqüenta minutos de tiroteios cansam. O diretor Wallace não segura o ritmo, assim como em seu filme anterior.
Curiosamente, o retrato fica mais equilibrado, supera os aspectos bélicos, quando o repórter Galloway entra no combate. Surge um soldado comunista enviando uma carta à sua amada. Snakeshit (Greg Kinnear), um dos pilotos de helicópteros, protagoniza um instante de reflexão e fúria, o melhor momento da projeção, que lembra bastante a obra de Coppola. Mas não há, em instante algum, uma diálogo que seja, qualquer militar questionando seriamente a importância da missão ou duvidando do papel norte-americano naquele princípio de guerra. Na teoria, a parceria de Gibson e Wallace tenta denunciar o terror através de soldados chamuscado pelo Napalm, mas o despudor exagerado e alguns detalhes bem desagradáveis transformam a técnica numa grande apelação.
No fim do filme, os créditos exibem os nomes dos combatentes reais que caíram no Vale da Morte. Assisti ao filme em uma sessão especial, com a presença do filho de um dos sobreviventes, hoje um marmanjo, mas que aguardava o pai retornar à base quando tinha oito, nove anos. Ele considera todas aquelas pessoas verdadeiros heróis da solidariedade e do companheirismo. Confesso que me emocionei, mas a comoção não foi maior do que o incômodo: como é que militares e políticos entregam assim, sem o menor planejamento, sem estratégia alguma, seus homens à morte? O filme acrescenta uma homenagem à memória daqueles mortos, mas pra mim, sinceramente, Fomos heróis deveria ser traduzido como Fomos estúpidos.