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Crítica

Crítica: Garapa

Em seu primeiro filme depois de Tropa de Elite, José Padilha documenta a fome no Nordeste

28.05.2009, às 17H00.
Atualizada em 01.11.2016, ÀS 23H06

Conhecido por sua luta contra a fome no sertão nordestino, o médico e professor Josué de Castro assine a epígrafe do documentário Garapa, o primeiro filme de José Padilha (Ônibus 174) depois de Tropa de Elite. Diz o médico que no Brasil é possível morrer de fome de dois jeitos: não comer nada ou comer mal e sofrer aos poucos com carências nutricionais.

garapa

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As famílias de Fortaleza e do interior do Ceará, nos arredores de Choró, cujas rotinas Padilha documenta em seu filme, se encaixam no segundo caso. Muitas vezes, sua dieta se restringe à bebida do título, o melado fervido, já que um saco de açúcar é o que compensa comprar, segundo um entrevistado, depois de um dia de trabalho rural ocasional na região.

Sem rodeio, a câmera operada por Marcela Bourseau nos apresenta a esse drama a partir do ponto mais crítico: os corpos das crianças. Nus, magros mas barrigudos, andam de um lado para o outro e rolam no chão enquanto a equipe os filma, às vezes, dos pés à cabeça em um plano só, como se os medisse. Os pais visivelmente tentam ordenar a casa para "receber a visita" (e sentam os filhos no chão sobre camisetas para almoçar), mas não demora a vermos que a insalubridade é um dos fatores da miséria por ali.

Fatores não faltam, ademais. O alcoolismo, o descontrole de natalidade e o desemprego vão se amontoando entre dilemas que Padilha levanta seja pela imagem (ao contrapor dois homens de famílias diferentes em situação similar, um sóbrio e outro bêbado, por exemplo), seja pela palavra mesmo, questionando as mães sobre planos de maternidade. É problema demais para um filme só, e isso cria uma sensação de fatalismo cada vez maior, mas para falar da fome Garapa não tem mesmo como fugir desses fatores todos.

Se o teor temático é mais ou menos esperado, o que deve chamar mais atenção - e provocar discussões - em Garapa é a opção pela "estética Sebastião Salgado" de fotografar a pobreza em claro-escuro. Há momentos de evidente procura por uma poesia visual, como a chuva que cai sobre o varal de roupa construído com arame farpado, ou o achado que é uma menina loira de vestido todo branco contrastando com o pai desdentado que trança as pernas e "estraga" o enquadramento.

Seja na escolha dos filtros de luz, dos quadros ou - antes de mais nada - daquilo que vai filmar, Garapa parece o tempo todo estar fazendo algum julgamento daquilo que vê, ainda que a proposta seja observar a realidade como ela se mostra. Qual a finalidade, por exemplo, de filmar uma mulher esticando suas roupas sobre ripas de madeira? Essa imagem adiciona algo à discussão da fome ou foi registrada pelo apelo da sua precariedade?

José Padilha já teve que encarar questão semelhante em Tropa de Elite: afinal, está ali tomando uma posição ideológica ou tentando abrir uma situação intrinsecamente política a discussão? Se levarmos em consideração duas sequências no fim do filme, em que os cortes aceleram e associam grossamente, por exemplo, o cuspe de um homem no chão com a água que sua esposa bebe, Garapa pende um tanto para a tomada de posição.

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Nota do Crítico
Regular