A relação mentor-aprendiz ecoa em Um Mundo Perfeito (1993) e Menina de Ouro (2004). A indisposição com a igreja também está em Menina de Ouro. A expurgação do passado violento remete a Os Imperdoáveis (1992). A falência do jeito Dirty Harry de fazer justiça lembra Sobre Meninos e Lobos (2003).
gran torino
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Em entrevistas, quando relembra seus 50 anos de carreira, Clint Eastwood mostra apreço especial por seu trabalho de diretor nos anos 1990 e 2000. Não é por acaso, portanto, que Gran Torino (2008) se revele um sólido apanhado desses temas que compõem a obra "consciente" do cineasta.
Chega a ser redundante dizer: se o ícone de 78 anos morresse hoje, Gran Torino seria um respeitável testamento. Na verdade, o filme é desde o começo uma canção fúnebre para o personagem de Eastwood, o veterano de guerra Walt Kowalski. Ele está de pé, na igreja, diante da multidão, para o velório de sua esposa. A câmera não descola do rosto de Eastwood, enquanto seus filhos se perguntam o que vão fazer com o velho, agora que a mãe morreu.
O trabalho de campo e contracampo é intenso - Walt é centro de todas as atenções e devolve os olhares, rosto por rosto -, como se Eastwood, mais do que nunca, se mostrasse perplexo com os caminhos que o mundo tomou depois dos anos 70. É evidente que Walt é um anacronismo, com seu gramado aparado e seu Ford Gran Torino de 1972, e um estorvo, com sua latinha de Bud na mão e sua patriótica bandeira hasteada, em meio a uma vizinhança de imigrantes que não sabem falar inglês.
Gran Torino se desdobra de forma muito simples, em relação ao arco de Walt: veterano de guerra preconceituoso mas de coração amanteigado se vê numa situação em que precisa repensar sua visão de mundo. O que o filme tem de sofisticado (e esse é o grande talento do Eastwood cineasta, herança dos mestres como John Ford) é que só "parece" simples. Quando o padre faz seu discurso principal na varanda de Walt, por exemplo, a ventania ao fundo dá à cena mais drama. Pensar que o vento é um acaso seria subestimar Eastwood. O vento "parece" um acaso.
Há as fraquezas, claro. O tique classicista com que Eastwood privilegia o campo-contracampo causa ruído, em algumas cenas, com a escolha pela câmera na mão - a primeira linguagem pressupõe rigor de enquadramento e a segunda combinaria melhor com fluidez de close-ups. Outra deficiência, já conhecida, é a direção irregular de atores. Nos momentos mais densos, Bee Vang, o intérprete do hmong Thao, simplesmente não dá conta do serviço. De resto, Gran Torino, com seus altos e baixos de humor agridoce e de violência gráfica, é irretocável.
Não há como resistir mesmo à imagem do velho durão. Outra demonstração de sofisticação, esta certamente adquirida com as décadas, provavelmente aprendida com Sergio Leone, é a forma como os enquadramentos valorizam a presença de cena do ator. Eastwood cresce pra cima de jovens negros e chineses só com um mero reflexo no espelhinho da sua caminhonete. Aquela piada de Todo Poderoso em que Jim Carrey se torna o ícone dentro do carro é certeira: não há visão mais assombrosa do que ter que encarar Clint Eastwood pelo retrovisor.
A diferença, quando ele pisa para fora do carro, é que a Magnum .44 já não está mais no coldre. Resta a presença.