Já faz algum tempo que as séries inglesas servem de base para, digamos, "novas leituras" em Hollywood. No campo da comédia temos o já clássico The Office, cuja versão estadunidense figura entre uma das melhores séries de TV da atualidade. E agora temos o caso de Intrigas de Estado (State of Play, 2009), que adapta para o cinema uma série dramática da BBC exibida em 2003, que teve em seu elenco original Bill Nighy, James McCavoy e John Simm.
Intrigas de Estado
Intrigas de Estado
Intrigas de Estado
Há na ambientação estadunidense, logicamente, algumas mudanças. A mais notória é a do cenário. No lugar de Londres e o jornal The Herald entram Washington D.C. e o Washington Globe. O Stephen Collins que antes era membro do parlamento inglês, vira um promissor congressista interpretado por Ben Affleck. A trama começa a se desenvolver a partir da morte de Sonia Baker, membra integrante do staff de Stephen Collins, mas o lobby que ela investigava deixa de ser a indústria petrolífera para se tornar a armamentista.
Como se pode notar, essas trocas são pontuais, praticamente "traduções" para o novo ambiente onde as coisas acontecem. Mas a grande diferença entre a série e o filme acontece dentro do jornal. O Cal McAffrey interpretado por Russell Crowe é um Repórter Especial, com caixa alta, pois esse é seu posto. Ele é do tipo que conhece as pessoas certas nos lugares certos e tem um faro apurado, enfim, um detetive hábil como o Batman nos seus melhores momentos. Ao seu lado está a blogueira Della Frye (Rachel McAdams), jornalista jovem, inexperiente e cheia de vontade de aparecer. Na versão britânica, a dupla também existe, mas com uma química completamente diferente, sem a relação de mestre-aprendiz que se vê no longa.
A disputa que existe entre a dupla do jornal estadunidense dá o tom do filme todo. Cal foi colega de quarto do Stephen na época da faculdade e tem um conflito de interesses no caso, pois ele quer ajudar o seu amigo, mas está investigando o caso de um assassinato duplo no subúrbio de Washington. Della, ansiosa por destaque, escreve um post no seu blog falando sobre o relacionamento extra-conjugal entre Stephen e Sonia. E a editora-chefe, Cameron Lynne (Helen Mirren mal aproveitada), fica sem saber se dá espaço para a investigação série sobre o suposto assassinato da jovem causado por uma grande conspiração corporativa, ou segue as ordens dos novos donos do jornal, que querem o sensacionalismo que vende jornal.
Assim, o que nasceu na TV inglesa como um thriller político, ganha também ares de crítica (ou, no mínimo, contestação) entre o velho e o novo jornalismo. Vale mais uma notícia rápida em um blog ou uma matéria trabalhada (e eternizada) nas páginas de um jornal? O jornal de papel ainda é importante ou é só embrulho de peixe? O bom filme do cineasta escocês Kevin Macdonald (O Último Rei da Escócia) deixa a sua opinião clara e deixa o espectador/leitor pensar na sua.
Pela importância do jornalismo na trama do filme, a comparação com Todos os Homens do Presidente é mais do que obrigatória. O próprio roteirista Matthew Michael Carnahan cansou de dizer que o clássico de 1976 foi inspiração na hora de adaptar a série para o cinema. Com a diferença óbvia de que no longa estrelado por Robert Redford e Dustin Hoffman tinha o real Watergate como objeto de investigação, enquanto que Inimigos do Estado é "apenas" uma obra de ficção. Bem embasada em possibilidades reais que lhe conferem veracidade, devo acrescentar.
Vale destacar também o trabalho de cenografia e figurino. Stephen e Cal são dois amigos que seguiram caminhos opostos em suas vidas: um é um promissor político engomadinho e o outro é um jornalista gorducho com os cabelos desgrenhados. A mesa, o apartamento e o velho Saab 1990 de Cal refletem o espírito do jornalista, que não tem ambições financeiras. É por isso que ele se mete no meio de conspirações corporativas, políticos corruptos e megaconglomerados que estão se aproveitando da Guerra ao Terror para lucrar. Sua única e maior preocupação é com a verdade. E, verdade seja dita, ficou muito bom!