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Crítica: Intrigas de Estado

Thriller político adaptado de série inglesa mostra disputa entre o novo e o velho jornalismo

11.06.2009, às 13H00.
Atualizada em 02.11.2016, ÀS 23H02

Já faz algum tempo que as séries inglesas servem de base para, digamos, "novas leituras" em Hollywood. No campo da comédia temos o já clássico The Office, cuja versão estadunidense figura entre uma das melhores séries de TV da atualidade. E agora temos o caso de Intrigas de Estado (State of Play, 2009), que adapta para o cinema uma série dramática da BBC exibida em 2003, que teve em seu elenco original Bill Nighy, James McCavoy e John Simm.

Intrigas de Estado

Intrigas de Estado

Intrigas de Estado

Há na ambientação estadunidense, logicamente, algumas mudanças. A mais notória é a do cenário. No lugar de Londres e o jornal The Herald entram Washington D.C. e o Washington Globe. O Stephen Collins que antes era membro do parlamento inglês, vira um promissor congressista interpretado por Ben Affleck. A trama começa a se desenvolver a partir da morte de Sonia Baker, membra integrante do staff de Stephen Collins, mas o lobby que ela investigava deixa de ser a indústria petrolífera para se tornar a armamentista.

Como se pode notar, essas trocas são pontuais, praticamente "traduções" para o novo ambiente onde as coisas acontecem. Mas a grande diferença entre a série e o filme acontece dentro do jornal. O Cal McAffrey interpretado por Russell Crowe é um Repórter Especial, com caixa alta, pois esse é seu posto. Ele é do tipo que conhece as pessoas certas nos lugares certos e tem um faro apurado, enfim, um detetive hábil como o Batman nos seus melhores momentos. Ao seu lado está a blogueira Della Frye (Rachel McAdams), jornalista jovem, inexperiente e cheia de vontade de aparecer. Na versão britânica, a dupla também existe, mas com uma química completamente diferente, sem a relação de mestre-aprendiz que se vê no longa.

A disputa que existe entre a dupla do jornal estadunidense dá o tom do filme todo. Cal foi colega de quarto do Stephen na época da faculdade e tem um conflito de interesses no caso, pois ele quer ajudar o seu amigo, mas está investigando o caso de um assassinato duplo no subúrbio de Washington. Della, ansiosa por destaque, escreve um post no seu blog falando sobre o relacionamento extra-conjugal entre Stephen e Sonia. E a editora-chefe, Cameron Lynne (Helen Mirren mal aproveitada), fica sem saber se dá espaço para a investigação série sobre o suposto assassinato da jovem causado por uma grande conspiração corporativa, ou segue as ordens dos novos donos do jornal, que querem o sensacionalismo que vende jornal.

Assim, o que nasceu na TV inglesa como um thriller político, ganha também ares de crítica (ou, no mínimo, contestação) entre o velho e o novo jornalismo. Vale mais uma notícia rápida em um blog ou uma matéria trabalhada (e eternizada) nas páginas de um jornal? O jornal de papel ainda é importante ou é só embrulho de peixe? O bom filme do cineasta escocês Kevin Macdonald (O Último Rei da Escócia) deixa a sua opinião clara e deixa o espectador/leitor pensar na sua.

Pela importância do jornalismo na trama do filme, a comparação com Todos os Homens do Presidente é mais do que obrigatória. O próprio roteirista Matthew Michael Carnahan cansou de dizer que o clássico de 1976 foi inspiração na hora de adaptar a série para o cinema. Com a diferença óbvia de que no longa estrelado por Robert Redford e Dustin Hoffman tinha o real Watergate como objeto de investigação, enquanto que Inimigos do Estado é "apenas" uma obra de ficção. Bem embasada em possibilidades reais que lhe conferem veracidade, devo acrescentar.

Vale destacar também o trabalho de cenografia e figurino. Stephen e Cal são dois amigos que seguiram caminhos opostos em suas vidas: um é um promissor político engomadinho e o outro é um jornalista gorducho com os cabelos desgrenhados. A mesa, o apartamento e o velho Saab 1990 de Cal refletem o espírito do jornalista, que não tem ambições financeiras. É por isso que ele se mete no meio de conspirações corporativas, políticos corruptos e megaconglomerados que estão se aproveitando da Guerra ao Terror para lucrar. Sua única e maior preocupação é com a verdade. E, verdade seja dita, ficou muito bom!

Nota do Crítico
Ótimo