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Crítica

Crítica: Nosso Lar

Empenho técnico, retrocesso narrativo

02.09.2010, às 17H01.
Atualizada em 10.11.2016, ÀS 08H01

É sempre complicado analisar filmes baseados em textos religiosos. Já é difícil criticar obras cinematográficas que têm fãs, então imagine as que têm devotos. Quando os defeitos de um longa-metragem como produto são apontados, corre-se o risco de parecer - erroneamente - preconceituoso, desrespeitoso com a fé alheia. Nosso Lar (2010), portanto, é dos mais complexos. Afinal, tem defeitos de monte, mas é baseado em obra fundamental do espiritismo brasileiro, o primeiro volume da série A Vida no Mundo Espiritual, escrita em 1944 pelo médium Chico Xavier (1910-2002).

Nosso lar

Nosso lar

Nosso lar

Nosso lar

Entre os integrantes do movimento espírita acredita-se que o texto tenha sido "psicografado", ou ditado, pelo espírito André Luiz, que é justamente o personagem principal do longa-metragem. Na história, o protagonista é um médico que, depois de uma vida de excessos, morre e desperta em outra dimensão, uma espécie de purgatório, o Umbral. Depois de arrepender-se das falhas de sua existência anterior, André é recolhido e levado à colônia Nosso Lar, onde começa seu aprendizado sobre a realidade da vida humana e o funcionamento do universo espiritual - lições essas que ele passa a relatar em cartas enquanto procura mudar seus valores morais.

O didatismo do texto literário, que esmiuça cada detalhe dessa nova realidade, é mantido pelo diretor Wagner de Assis (A Cartomante) em sua versão audiovisual. O resultado, ainda que deva encantar quem já conhece a obra original, é redundante e cansativo para quem se interessa por Nosso Lar apenas como cinema. Por exemplo, enquanto André (Renato Prieto) arrasta-se pelo Umbral, com seu olhar de desespero encarando as hostes sem rumo que lamentam seus destinos, a narração em off teima em relatar aquilo que nossos próprios olhos já estão vendo. A solução só piora ainda mais quando personagens professorais (Lísias, Clarêncio, Governador Anacleto...) surgem em cena para, essencialmente, explicar. E explicam tudo, o tempo todo.

A dramaticidade, portanto, é mero pano de fundo para um filme de reafirmação e disseminação da doutrina espírita. Assim, entende-se desde o primeiro frame o apoio da Federação Espírita Brasileira à produção. O que fica difícil compreender é como um filme de uma doutrina tão positiva (a "Lei de Ação e Reação" é algo com que qualquer um pode se identificar) atropele a fé alheia em nome do espetáculo. Não me importei em momento algum com as diversas cenas que insistem em como os céticos estão errados sobre o pós-vida (é papel óbvio do filme tentar me convencer do contrário), mas a chegada ao Nosso Lar das vítimas do Holocausto, estrelas de Davi costuradas no peito e peot no cabelo, é difícil de assistir. Ainda que tente ser respeitosa e solene, a sequência ignora diferenças fundamentais nos conceitos de vida eterna das duas religiões e me pareceu equivocada e invasiva. Não importa o quanto você tenha certeza de suas crenças - elas são suas e não do outro.

Empenho técnico

Com orçamento estimado em 20 milhões de reais, alocado graças ao potencial de público (estima-se que 2,5 milhões de brasileiros sejam adeptos do Espiritismo), Nosso Lar é a mais cara produção cinematográfica da história do Brasil. Diferente do campeão anterior, Lula - O Filho do Brasil (por volta de 15 milhões), porém, neste o valor do investimento pode ser efetivamente apreciado na tela.

Parte dessa verba ficou com o desafio técnico de criar a colônia espiritual - que me lembrou uma mistura de Brasília com Krypton, desenhada a partir de ilustrações mediúnicas - desenvolvida pela canadense Intelligent Creatures. A empresa é conhecida por animar a máscara de Rorschach em Watchmen e criar cenários para A Fonte da Vida e Anjos da Noite: A Rebelião, entre outros projetos. Os takes aéreos da cidade são muito bem realizados, assim como outras sequências que exigem o uso maciço de efeitos especiais. Tudo muito convincente (os interiores, nem tanto). A produção não economizou também na trilha incidental: chamou Philip Glass, um talento (ainda que irregular) de Hollywood. Infelizmente, sua composição para o filme, intrusiva e óbvia, não está entre seus melhores trabalhos. A fotografia, que imprime à obra os tons de capas de publicações religiosas, também contou com talento importado, o suíço Ueli Steiger (10.000 a.C.).

Com tamanho esmero técnico, não fossem os excesso didáticos (de roteiro e elenco) e o tom de sermão, Nosso Lar seria bem mais importante para a cinematografia nacional do que resultou. De qualquer maneira, é filme que prova que, se houver vontade, o Brasil pode sair do eixo comédia romântica, favela e drama, em direção a outros gêneros ainda pouco explorados por aqui. A intenção é animadora.

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Nota do Crítico
Regular