A única residência que o arquiteto suíço Le Corbusier assinou na América, no número 320 do Boulevard 53, na cidade de La Plata, ao sudeste de Buenos Aires, é o cenário da comédia dramática argentina O Homem ao Lado (El Hombre de al Lado, 2009). O filme de Mariano Cohn e Gastón Duprat faz por vias tortas uma homenagem ao design cerebral do mestre do modernismo.
homem do lado
homem do lado
festival do rio
hombre de al lado
Mora na casa, com esposa e filha, o designer Leonardo (Rafael Spregelburd). Uma das primeiras imagens que temos de Leonardo é a foto que estampa o seu site oficial. Vive da aparência do sucesso, enfim, esse poliglota de óculos de armação grossa, que desenha e coleciona mobiliário e objetos de vanguarda para combinar com sua casa modernista. O problema, como sempre, são os outros.
Começa no vizinho uma reforma. Pedreiros abrem na parede que dá vista para a sala de Leonardo um rombo. O recém-chegado Victor (Daniel Aráoz) quer uma janela para aproveitar os raios de sol, diz, mas Leonardo surta, acha a janela uma invasão de privacidade. O fato de Victor ser o típico machão cafona, que toma chimarrão numa cuia feita de pé de bode, só inflama a cizânia. Desse choque de opostos, típico de comédias sobre vizinhos, o filme tira o seu humor de constrangimento.
As situações armadas para ressaltar as caricaturas dão constantemente a impressão de que estamos sendo levados a simpatizar com Victor e odiar Leonardo só para termos nosso tapete puxado no final da história. Essa impressão se confirma, mas O Homem ao Lado não é vulgar em sua manipulação. A fotografia, premiada no Festival de Sundance este ano, tem nuanças que dão aos personagens suficiente humanidade.
Victor, por exemplo, por ser um tipo sem meias palavras, é sempre filmado frontalmente. Quando bate à porta de Leonardo, a câmera se coloca no ombro do designer e fica o tempo todo fechada no close-up em Victor. Em oposição, Leonardo "se esconde" da câmera. Mexe num frango na cozinha e o armário tampa seu rosto. Sua imagem no espelho no quarto da filha se espelha em pedaços. Quando se revela, falando mal de um amigo, Leonardo o faz no escuro.
O personagem está cercado de "ruídos" (o kitsch da camiseta do Kiss da empregada e dos passos de dança da filha, por exemplo), mas cria para si uma fantasia clean - que inclusive o impede de lidar de frente com os problemas que não envolvam sua superioridade hierárquica. O enquadramento fundamental: Leonardo em primeiro plano, só sua silhueta, diante do janelão que revela as cores do parque arborizado ao fundo.
Essa forma como Cohn e Duprat enquadram o personagem e o exterior é essencial para entender o isolamento, travestido de bem estar, que as pessoas se impõem hoje em nome de uma suposta segurança. O Homem ao Lado homenageia, no fim, não a arquitetura de Le Corbusier e sua defesa da funcionalidade, mas seu senso de urbanismo.
O Homem ao Lado | Cinemas e horários