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Crítica

Crítica: Obrigado por Fumar

Comédia afiada tira Jason Reitman da sombra do pai

17.08.2006, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H20

Liberdade de escolha em um mundo dominado pela propaganda é liberdade de verdade?

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A pergunta fica no ar o tempo todo em Obrigado por Fumar (Thank you for smoking, 2005). O personagem principal, o lobista Nick Naylor (Aaron Eckhart), acredita que sim. Na democracia do consumo, afinal, ninguém força ninguém a comprar nada. Acontece que os fatos - e os seus próprios atos - desmentem Nick Naylor. O lance é saber se ele está sendo sincero, ingênuo ou terrivelmente irônico.

Fazer lobby - representar os interesses de uma entidade e influenciar outras - é uma profissão legalizada nos Estados Unidos. Não que ela seja bem vista, pelo contrário. O caso de Nick é quase cômico. Ele personifica publicamente a indústria do tabaco, ou seja, tenta convencer pessoas e instituições de que cigarro não é ruim. Por que faz isso? Pelo mesmo motivo dos condenados em Nuremberg... Para pagar minha hipoteca, zomba, comparando-se aos nazistas julgados no pós-Guerra.

Falando diretamente ao espectador, em narração em off, Nick é como a voz, o alter-ego, do diretor Jason Reitman, estreante em longas-metragens e filho do diretor de Os Caça Fantasmas, Ivan Reitman. O texto é afiado, equilibra drama e comédia sem nunca ficar rasgado ou meloso demais. Eckhart tem o seu charme, e Nick é indiscutivelmente bom no que faz - tão bom que não é difícil ficar do seu lado.

Na trama, o lobista trava mais uma batalha contra os antitabagistas. O senador democrata Ortolan Finistirre (William H. Macy) quer instituir nos maços a imagem de uma caveira, para mostrar às pessoas que o cigarro faz mal à saúde. Na defesa dos interesses de seu patrão, Nick contesta o senador com base na teoria universal do ser liberal. Diz que só fuma quem quer, que todo mundo sabe que cigarro mata (inclusive todo fumante), e que os fumantes não querem a imagem de uma caveira lhes encarando a toda hora. É a liberdade de escolher.

Mas a briga é desleal: no meio tempo Nick exercita sua persuasão. Paga milhões para que o velho Homem de Marlboro, hoje canceroso, pare de reclamar na mídia. Procura um produtor de Hollywood para ver se consegue reemplacar o cigarro na telona, como nos filmes charmosos de antigamente. O produtor, interpretado por Rob Lowe, não apenas concorda como oferece, quem sabe, Brad Pitt e Catherine Zeta-Jones fumando um cigarro depois de transarem no espaço sideral... Não há, realmente, propaganda subliminar mais poderosa.

Aí é que está. Que liberdade de escolha é essa, quando vivemos soterrados num consumismo cada vez mais dissimulado? Há um diálogo primoroso na metade do filme que ilustra um pouco a situação.

Nick repete ao seu filho, Joey (Cameron Bright), nos fins de semana em que a mãe deixa o garoto ficar junto do pai, que o importante é argumentar. Nick diz: Suponhamos que você defenda o sorvete de chocolate; eu, o de baunilha. Você dirá que o seu é a melhor coisa do mundo. Eu direi que a melhor coisa do mundo é poder escolher entre chocolate e baunilha. Mas com isso você não me convenceu de que baunilha é melhor, reclama Joey. Mas eu não quero te convencer, quero só provar que estou certo e você errado, retruca o pai.

É de se condenar essa moral maleável? Há momentos em que Jason Reitman vende a idéia de que liberdade de escolha existe, sim - e o seu lobista chega perto de se heroificar. E há essa evidência gritante de que o livre mercado é a mentira perfeita do capitalista-golpista, vendendo baunilha aos baldes para quem sequer gosta de sorvete. O mais interessante de Obrigado por fumar é que fica difícil saber no que o personagem/diretor acredita de verdade. Minha opinião? Reitman é o cínico do século.

Nota do Crítico
Ótimo