Filmes

Crítica

Crítica: Perto demais

<i>Perto demais</i>

20.01.2005, às 00H00.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 13H17

De ponta a ponta na sua carreira, a migração do tablado para a película é terreno firme para o cineasta Mike Nichols. A sua estréia no cinema, em 1966, aconteceu com a encenação de um clássico da dramaturgia norte-americana, Quem tem medo de Virginia Woolf?. E o nome do diretor voltou a soar recentemente, depois de anos de ocaso, com outro texto originalmente teatral, Angels in America (2003), minissérie feita para a TV. Figura perfeita, portanto, para comandar o intenso Perto demais (Closer, 2004) - adaptação da peça homônima, escrita pelo inglês Patrick Marber em 1997 e já montada em palcos brasileiros, por Hector Babenco, em 2000.

Closer - Perto Demais

Closer - Perto Demais

Closer - Perto Demais

Aqui, Dan e Alice (Jude Law e Natalie Portman) e Anna e Larry (Julia Roberts e Clive Owen) são dois casais aparentemente bem resolvidos, independentes. Isso se traduz em suas rotinas na forma de uma linguagem despudorada. Ninguém tem vergonha de falar de sexo, de detalhes anatômicos, dos parceiros, dos outros. As mulheres vivem do invasivo: Alice é stripper; Anna, retratista. Os homens as conhecem bem: Dan é escritor; Larry, dermatologista.

O problema é que essa intimidade toda não é, na verdade, íntima assim. Num período de alguns anos, traições e separações, reconciliações e desenganos pontuam as suas vidas inseguras. Como resumiu Woody Allen, "todos dizem eu te amo", mas alimentar uma relação honesta de verdade não é tão fácil. Ou, como diz o tosco Larry, com o seu estilo curto-e-grosso, quem já viu um coração de perto sabe que se parece com um punho ensangüentado.

E o conflito explode. O médico precisa saber todos os detalhes sexuais do adultério de Anna para, somente então, anunciar a separação. Já Dan percebe, depois de tantos solavancos, que tem em Alice o seu grande amor - mas lhe corrói por dentro imaginar que ela tenha dormido com outro. Trata-se de um reflexo da pós-modernidade nas relações amorosas: do mesmo jeito que somos cobertos de informação, mesmo que fragmentada e superficial, aquele propalado desembaraço adulto não resiste a um golpe mais fundo no ego infantil de cada um.

Os diálogos são vigorosos. As discussões, como em Virginia Woolf, estrondosas. Nichols expõe a hipocrisia dos seus personagens sem a menor compaixão. O diretor não tenta evitar a teatralidade dessas situações - e isso pode incomodar a audiência mais afeita ao naturalismo. De qualquer maneira, as atuações seguras de Owen e Julia se adequam bem à proposta. E enquanto Law surge vacilante, quem brilha mesmo é Natalie Portman.

Não é menos do que vexaminoso o fato dela ter sido classificada como coadjuvante no Globo de Ouro que a consagrou, juntamente com Clive Owen. Do início à última cena, do primeiro ao acorde final da belíssima canção "The Blowers Daughter", de Damien Rice, o filme é uma homenagem à personagem. Perto demais foi feito para e sobre Alice. Nichols toma a licença de trocar os nomes, bem no finzinho, e a poupa do desfecho fatídico da peça. Isso mostra bem o carinho que reserva a ela. É quem sai mais íntegra e menos machucada dali.

Nota do Crítico
Ótimo