A Vida dos Outros era um filme moral sobre voyeurismo que, lá pela metade, perdia o interesse pelo ponto de vista de seu voyeur e aderia ao drama dos observados. Já em Polícia, Adjetivo, sequer conhecemos direito os rostos das pessoas vigiadas. O filme romeno só tem olhos para seu observador - o que implica em todo o tédio inerente ao exercício da vigilância.
polícia, adjetivo
polícia, adjetivo
Mal conseguimos ver os vigiados - adolescentes suspeitos de traficar haxixe na cidade de Brasov - porque a câmera do diretor de fotografia Marius Panduru se mantém sempre à distância, colada à perspectiva do policial Cristi (Dragos Bucur). Entre o policial e a molecada, grades de um terreno, sugerindo que aquela situação pode acabar em prisão.
O caso é que Cristi não tem provas de que os adolescentes traficam de fato. Na verdade, ele acha que prender meros maconheiros é um desserviço. Acaba com a vida dos moleques, desnecessariamente. Outros países da Europa já mudaram sua legislação para não punir usuários, mas na Romênia consumo de haxixe não apenas é crime como a interpretação que se faz da lei (pelo menos em Brasov) é literal. A ordem é prender.
Como no longa alemão, as decisões morais que vêm com a vigilância são o centro do filme. Aliás, personagens se questionam, literalmente, não só o que significa a palavra "moral" como também procuram no dicionário o que quer dizer "polícia" - daí o título do filme do diretor Corneliu Porumboiu, prêmio do júri da mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes deste ano.
A obsessão de Cristi por essa "terapia linguística" (que não fica restrita à delegacia onde ele trabalha e ganha a mesa de jantar da sua casa) rende boas tiradas cômicas, mas Polícia, Adjetivo está longe de ser uma comédia como o excelente trabalho anterior de Porumboiu, A Leste de Bucareste. Na verdade, sequer é um filme policial típico, com perseguições e tiroteios. Essa seria a definição do adjetivo "policial", mas o que interessa a Porumboiu é o conflito clássico do voyeur - interferir ou não na realidade.
E a maneira imparcial (ainda que talvez seja seca demais para alguns espectadores) como o romeno filma o processo de interação do policial com a realidade ao redor é de uma limpidez atordoante. Porumboiu encena um assunto complicado de forma descomplicada (o que não significa ser simplista) e, no que pode ser entendido como uma homenagem a Blow-Up, também encerra seu filme com a emblemática imagem de dualidade de uma quadra de tênis. Aliás, não era também Blow-Up um filme sobre as limitações do voyeurismo?
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