Filmes

Crítica

Se Nada Mais der Certo | Crítica

Uma história de classe média com toques de Saltimbancos e Jules e Jim

13.08.2009, às 17H00.
Atualizada em 02.11.2016, ÀS 08H03

Há um momento singelo em Se Nada Mais der Certo, cheio de significado, que resume bem o filme: o jornalista Léo (Cauã Reymond) já está sem dinheiro há algum tempo, e as dívidas se acumulam; sobre a mesa, no apartamento, vemos uma conta de luz toda rabiscada com lápis de cor, desenhos do filho pequeno da namorada de Léo.

se nada mais der certo

se nada mais der certo

se nada mais der certo

A classe média sem norte, nesse limbo brasileiro que está entre o paternalismo dedicado às classes baixas e as regalias cedidas aos abastados, é o tema predileto até aqui do cineasta José Eduardo Belmonte, que começou a chamar a atenção do público com o seu segundo longa-metragem, A Concepção (2005). Enquanto o segundo filme dessa leva temática, Meu Mundo em Perigo (2007), permanece inédito no circuito, estreia o terceiro.

Se Nada Mais der Certo joga não só com esse contexto social, pós-despolitização (a Era do Pragmatismo de Lula e Alckmin se estende à conduta de vários personagens no decorrer do filme, afinal, 100 reais é 100 reais), mas também com uma certa herança geracional, como se a situação viesse se inflamando desde sempre.

Não por acaso, conflitos de pais e filhos pontuam a história de três pessoas que se encontram num momento de desespero: o jornalista Léo, o taxista Wilson (João Miguel), que herdou o ofício do pai, e a traficante Marcin (Caroline Abras), que, esticando um pouco o conceito, vive relação filial com o travesti Sybelle (Milhem Cortaz).

São três personagens órfãos na prática, abandonados pelo sistema à própria sorte, à espera de um milagre, e que só encontram uma identidade e uma catarse enquanto coletivo. A utilização de faixas da trilha sonora de Os Saltimbancos faz a ponte com a abertura política pós-ditadura - mais um momento nacional de esperanças frustradas - e canta com todas as letras: "todos nós no mesmo barco, não há nada pra temer".

É de uma utopia marxista tremenda, não é? Acontece que Belmonte sabe perceber os furos na teoria: como num Jules e Jim da Baixa Augusta, não dá pra negar as individualidades nesse trio-ternura. Explicar melhor esse trecho do filme seria entregar demais; o caso é que não há pragmatismo que aguente se por dentro houver uma dose curtida de rancor.

Filmando pelos bordéis hoje hypados da velha Boca do Lixo, deixando-se iluminar pelos neons em ambientes naturalmente noturnos, o diretor de fotografia André Lavenere captura bem a carência dos personagens. Mais para o final, o texto de Belmonte (coescrito com Breno Alex e Luis Carlos Pacca) leva demais a sério os diálogos em off de Léo, como se fossem algo além de filosofia de botequim, mas não é nada que vitime o filme. Há força nas imagens, seja nos close-ups em Caroline Abras (que tem os olhos tristes de uma Chloë Sevigny), seja em pequenos achados, como o álbum de figurinhas.

Se Nada Mais der Certo tem essa rara qualidade de filmes que sabem bem a carga de significados contida na escolha de suas imagens, e ao mesmo tempo não se deixam sufocar pelo esquematismo do cinema de simbolismo.

Saiba onde o filme está passando

Nota do Crítico
Ótimo