Hoje em dia, álbuns já são chamados de 'clássicos' antes mesmo de a banda (aquela, hit da semana) entrar em estúdio. Já foi a época em que, para uma gravação ganhar um adjetivo assim, precisava de um pacote de muita mítica e suor.
Exile on Main Street
Exile on Main Street
Exile on Main Street, clássico máximo dos Rolling Stones de 1972, é um bom exemplo desses velhos tempos. Um ano antes, encurralada por dívidas milionárias com o fisco inglês, a banda fez as malas e se mandou para a França. Era o tempo de casamentos escandalosos, drogas nos backstages e ódio dos defensores do limpinho bom costume britânico.
Os Stones já eram a grande banda britânica (com uma bela ajuda dos Beatles, debandados dois anos antes). E contava-se que, para um grupo daquele porte, sair da Inglaterra significava a morte artística. Resultado: deram a volta por cima nesse papo e voltaram com seu primeiro disco duplo debaixo do braço, uma mistura louca de rock + blues + country + soul, que seria desancada pela crítica. Antes, é claro, de se tornar um… clássico.
É essa história que Stones in Exile conta, em detalhes prontos para educar os novos fãs e reembalar os velhos, da época do vinil duplo. Cada um na sua época, e os Stones em todas.
Comissionado pela banda para produzir conteúdo extra da reedição de Exile em 2010, o diretor Stephen Kijak dá a voz aos Stones de hoje para que contem sua própria versão dos fatos - e das lendas - de então. Francos e ponderados como só a idade (e a garantia que não precisam mais provar muita coisa) permite, os músicos detalham o processo maluco de gravação que imperava naquela época.
No exílio francês, cada um levou sua família para um canto. O casal Mick Jagger e Bianca, então grávida, se fixou em Paris (não sem antes montar um casamento-espetáculo em Saint-Tropez). O resto da trupe preferiu o sul da França - incluindo Keith Richards e Anita Pallemberg, que ocuparam Nellcôte, um casarão do século 19 na pacata Villefranche-sur-Mer, no litoral, que já servira até de base para a Gestapo durante a ocupação nazista.
A villa na Riviera Francesa, que poderia ser o local mais improvável para sessões roqueiras, tornou-se o QG oficial da família Stones, depois de uma busca infrutífera por estúdios locais. E 'família', sem exagero. Como era trabalhoso que todos se locomovessem pelo país durante as gravações, Nellcôte tornou-se uma comuna (Hippie? Quase…), com a banda, músicos de apoio, produtores, técnicos e respectivos filhos orbitando por ali.
As sessões, nada familiares, tomaram conta do porão da villa. Com o som nas alturas, o equipamento de gravação plugado no lado de fora, uísque e drogas afins, se tornaram o embrião dos "músicos de quarto de fundo" que imperam hoje. Mas com um pouco mais de, digamos, verve.
Stones in Exile ganha brilho pela enorme quantidade de gravações da época, incluindo trechos do polêmico Cocksucker Blues - outro documentário comissionado pela banda na época, bem mais polêmico, que retratava em detalhes a baderna da tour americana pós-Exile, e foi proibido logo depois.
Aí aparecem cenas memoráveis para quem acompanha a mitologia da banda, tanto na França quanto na produção final, em Los Angeles. Charlie Watts improvisando percussão com cabides de metal. Keith e Mick compondo "Rip this Joint" ou "Ventilator Blues" - "Ele é o rock, eu sou o roll", define Richards sobre a dinâmica da dupla. Anita Pallenberg, loira e bela por si só. Ou o ator Jake Weber (do seriado Medium), então com 7 anos, encolhido entre as guitarras, e contando que preparava os baseados da banda.
Apesar dos músicos veteranos, são os coadjuvantes na história que roubam a cena com seus depoimentos. Como Jake, a própria Anita, e o fotógrafo Dominique Tarlé, que viveu por lá e registrou esse período. Da fase moderna, Don Was (que remasterizou os álbuns) e os novos amigos Martin Scorsese e Jack White, tão ligados à recente fase dos Stones, dão seus pitados.
Outros músicos mais novos também aparecem, como Will I Am (do Black Eyed Peas) e Jake Weber (Kings Of Leon), falando sobre sua relação com o disco. Os depoimentos, porém, são xoxos - e só servem pra mostrar o quão chato pode ser o rock atual. Que falta faz um exílio.