Um quarto de século sem filmar é tempo demais, especialmente numa indústria, como a do cinema brasileiro, que nesse período pode ruir e renascer de novo. É compreensível, portanto, que Arnaldo Jabor se entregue com A Suprema Felicidade à sedução da verborragia.
a suprema felicidade
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Jabor não assinava um longa-metragem desde Eu sei que Vou te Amar, de 1984. A Suprema Felicidade, o seu oitavo, é o primeiro desde o fim da Embrafilme e o advento da Retomada. Nos últimos 15 anos, Jabor ficou conhecido por seus textos na imprensa - dali, o cineasta traz para o filme essa estrutura de pensata. A Supresa Felicidade fala de Deus, do amor, da guerra e um pouco mais.
A trama começa em 1945, com o fim da Segunda Guerra, e volta e avança no tempo para mostrar como os pais (Dan Stulbach e Mariana Lima) de Paulo se conheceram e anos depois se distanciaram. Segue Paulo no começo do colégio católico, depois com 19 anos (vivido por Jayme Matarazzo), encarando suas primeiras prostitutas, bebendo e cantando à beira-mar. O avô de Paulo (Marco Nanini) a tudo assiste com a sabedoria de quem parece sempre ter sido velho, ainda que com espírito jovem.
A epígrafe que abre o filme, os versos de Drummond "As coisas findas / muito mais que lindas / essas ficarão", dão o exato tom da amarração que Jabor tenta dar ao seu vaivém. Não é apenas a nostalgia de um Rio de Janeiro mais inocente (e sem trânsito), mas também de uma estética hoje lembrada por poucos. A Suprema Felicidade tem momentos de chanchada (os tipos caricatos na rua da casa de Paulo), de musical da Atlântida (a marchinha também na rua), de Cinema Novo (o neorrealismo meio operístico do bordel).
Se A Suprema Felicidade está longe de ser um Amarcord, pelo menos divide com o filme de Federico Fellini esse ar de testamento. Talvez esteja mais próximo de Apolônio Brasil, o longa de Hugo Carvana também com Marco Nanini que tenta trazer para os dias profissionalizados de hoje o humor despojado dos anos 70.
Evidentemente, saudosismo não enche a barriga de ninguém. O filme se esforça em ver em Paulo um protagonista digno de uma história de formação, mas se desvia para falar do amigo gay, da dor da mãe, dos devaneios do avô. No fim, o arco de Paulo é típico do imaginário de quem cresceu na metade do século: seu platonismo é tirar a puta da zona. O uso de filtros "velhos" e a câmera truncada de Jabor, com seus planos-detalhes sem fluência (o seio no eclipse, a macumba mostrada duas vezes), pioram a sensação de museologia.
Jabor filma A Suprema Felicidade, em resumo, como se estivesse nos apresentando o mundo pela primeira vez. Fosse com um olhar de cineasta, e não com o discurso pronto de comentarista, talvez tivesse mais sucesso.