Você já leu Asterix alguma vez na sua vida? Se leu, vai se lembrar que na primeira página sempre tem um mapa da Gália (região do norte da França) e uma lupa que mostra em detalhes a irredutível aldeia liderada por Abracurcix e as três guarnições romanas. Guardadas as devidas proporções, Traffic é mais ou menos isso. A diferença é que o filme dá um zoom na fronteira entre Estados Unidos e México.
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Depois de várias investidas contra os cartéis colombianos, é entre as cidades de San Diego (EUA) e Tijuana (México) que uma imensa quantidade de drogas passa do terceiro para o primeiro mundo. E é nesta divisa que boa parte do filme vai se focar.
Steven Soderbergh, assim como fizeram há pouco Quentin Tarantino (Pulp Fiction e Jackie Brown) e Guy Richie (Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes), cruza diferentes histórias. Duas delas, como já foi dito, se passam na fronteira californiana. A última não tem uma sede fixa. Há cenas em Washington DC, Cidade do México, no próprio limite entre os países e, por fim, em Cincinnati, onde vive a família do personagem de Robert Wakefield (Michael Douglas).
Wakefield foi nomeado o novo líder antidrogas americano. Porém, antes de lidar com o problema do tráfico e consumo de entorpecentes do país, o juiz terá que aprender a cuidar de sua filha (Erika Christensen), viciada em crack e heroína. Na outra ponta da história está Carlos Ayalla (Steven Bauer), traficante que vive no belíssimo bairro de La Jolla, em San Diego. Helena (Catherine Zeta-Jones), sua esposa, está esperando o segundo filho do casal e até a prisão de seu marido não sabia de onde vinha o dinheiro que os sustentava. Em território mexicano, estão Javier Rodriguez Rodriguez (Benício Del Toro) e Manolo (Jacob Vargas), policiais da fronteira que acabam se aliando ao general Salazar (Tomas Milian), maior combatente local do tráfico de drogas.
Soderbergh, que também assina a direção de fotografia (usando o pseudônimo Peter Andrews), usou cores diferentes para cada história. No México de Javier Rodriguez tudo é amarelado. O mundo de Robert Wakefield é azulado e em San Diego tudo é ligeiramente mais claro que o normal. Excelente trabalho! A direção também está impecável. Não é fácil trabalhar num filme em que 110 personagens têm falas e deixar claro quem é quem. Os textos merecem inclusive um destaque. No México de Traffic, os mexicanos falam em espanhol, diferente da França de Chocolate e na Roma de Gladiador, em que todos falam inglês!
Apesar do elenco estrelado (fazem parte ainda Dennis Quaid, Salma Hayek, Don Cheadle, Luis Gusman, Miguel Ferrer e uma lista sem fim), é sem dúvida o diretor o grande astro. Não é à toa que conseguiu indicações não só por Traffic, mas também por Erin Brockovich, ambos para melhor diretor e filme, fato inédito na história da Academia.
Como cuidar do problema de um país inteiro se não se consegue lidar nem com o que acontece em sua casa? É possível não se vender vivendo num mundo recheado de corruptos, em que rola muito dinheiro, se você ganha apenas US$ 316 por mês? Para proteger a família vale até mesmo fazer o que a lei considera errado? Estes são os três conflitos que causaram tanta polêmica em Traffic. Não são perguntas tão absurdas. O tema não é "cabeça" e poderiam estar na mente de qualquer um e é justamente por isso que o filme é bom. Porque ele mostra o óbvio, o nosso dia-a-dia de forma verdadeira, sem maquiagem, combinando drama com pitadas de humor e tensão, sem esquecer do tesão, seja ele sexual, por drogas ou qualquer outro motivo.
Ah, lembra do Rock´n Roll que o título diz que está faltando? Depois de ver Traffic, você nem vai lembrar que ele não está lá.