O azul e o amarelo predominam na paleta setentista de cores de Um Olhar do Paraíso. Estão em contraste tanto nas cenas pós-morte (o mar e a areia, o campo e o céu) quanto na realidade (cortina alaranjada, livro de fotos azul, papel de parede amarelo, roupas azuis). Até o cabelo descolorido e a lente de contato de Stanley Tucci seguem esse esquema.
um olhar do paraíso
um olhar do paraíso
um olhar do paraíso
No mais, amarela é a calça e azul é a blusa de Susie Salmon (Saoirse Ronan), a protagonista e narradora da história, menina de 14 anos que depois de assassinada passa a observar, do além, a vida das pessoas que viviam ao seu redor. Existiria na escolha de cores do diretor Peter Jackson alguma intenção?
Coincidência ou não, azul e laranja são também as cores mais usadas em pôsteres de filmes hollywoodianos de uns anos pra cá. O contraste que já foi ferramenta de egípcios, impressionistas e já serviu ao filme Amor Além da Vida hoje está em todos os lugares. Teoricamente, são tons complementares: o azul transmite calma, o laranja, energia.
Mas o que há entre esses dois extremos de sensações? Essa é a pergunta que pontua o filme inteiro.
A dualidade se estende ao roteiro. De um lado temos o espectro de Susie em paisagens bucólicas observando tudo aquilo que perdeu, é o drama e a fantasia de Um Olhar do Paraíso, a cor azul. Do outro, a trama continua a se mover. Sempre que Susie sai de cena o mistério da morte se intensifica; é o lado suspense do filme, a cor amarela. Para ligar as duas pontas há mementos no além, como a bola de borracha, a menina oriental ou as cenas submersas, servindo de pistas policialescas.
Embora sejam vistosos os efeitos visuais que Jackson saca para pontuar esses mementos de ligação, ele tem dificuldade em conciliar as duas metades do filme. Há quem diga que o diretor trata muito levemente um tema pesado - afinal, a menina de 14 anos que agora dança fora antes estuprada e esquartejada - mas no fundo a questão é anterior. O que pega é que Um Olhar do Paraíso parece mesmo dois filmes opostos. Quando se fundem, como na cena de amor no final, a estranheza é inevitável.
Talvez a intenção seja essa: demarcar tudo o que diferencia a Terra do além. Aqui embaixo, vivemos em simulacros de felicidade - a casa de bonecas, o mundo supostamente perfeito da snowball, os barcos nas garrafas. O shopping, em particular, e o subúrbio das casas idênticas, de modo geral, são versões ampliadas dessas redomas. Não por acaso um outro claustro, o cofre, é peça-chave no filme.
Já no além tudo é horizonte e luz infinita. Câmera sempre em movimento lateral, com música. Não há ironia quando uma outra fantasma diz para Susie: "É claro que tudo aqui é lindo, aqui é o paraíso". Se Jackson, criado no gore, desconfia da beleza e da perfeição que nos cerca - um laço vermelho gigante não impedirá uma menina de morrer de leucemia, frisa-se no começo do filme -, o paraíso é à prova do céticos, onde cafonices como rosas gigantes, coretos e amantes latinos são instantaneamente aceitos, um terreno que dispensa reflexão.
Não há ironia no paraíso, mas talvez haja na frase final de Susie, desejando "uma vida longa e feliz" para nós. Dentro desse filme onde tudo é bicolor, estar vivo, para Jackson, é o verdadeiro motivo de luto.
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