Viagem a Darjeeling (The Darjeeling Limited, 2007), de Wes Anderson, é um road movie sobre reconciliação e redenção. Como nos outros filmes do cineasta, a história é uma tragicomédia sobre uma família disfuncional. O nome do longa refere-se a um trem ficcional que realiza uma jornada pela Índia. O país exerce um grande fascínio no ocidente por ser um lugar mágico e de descobertas. Anderson aproveita para confrontar o materialismo individualista do oeste com a paz transcendental do leste.
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O filme é precedido por um curta, "Hotel Chevalier", que apresenta Jack Whitman, o personagem de Jason Schwartzman, em um quarto de hotel em Paris. Esse prólogo de luxo ajuda a preencher algumas lacunas do longa. São 13 minutos em que ele captura a beleza inocente da atriz Natalie Portman, que interpreta a namorada de Jack. O filmete é um verdadeiro exercício de estética e a primeira experiência de Anderson com o cinema erótico.
Depois dessa primeira parada em Paris, a história segue sua jornada espiritual pela Índia. Lá conhecemos os outros irmãos de Jack. O mais velho é Francis (Owen Wilson), que depois da morte de seu pai, há um ano, tem a esperança de sanar velhas feridas com seus irmãos Peter (Adrien Brody) e Jack, e assim arma uma viagem para acabar com antigas rivalidades. Trata-se também de uma tentativa de encontrar Patricia, sua mãe (Anjelica Huston), que está atravessando uma crise de meia-idade e que por isso desapareceu nas montanhas do Himalaia e se tornou uma freira em uma missão católica.
Conforme embarcamos no trem com os três protagonistas, cicatrizes são abertas. Descobrimos que Francis espatifou sua moto em uma tentativa de suicídio, provocando ferimentos em seu rosto, que está coberto de ataduras. [Triste caso da vida imitando a arte, já que Wilson esteve recentemente nos noticiários justamente devido a uma tentativa de dar cabo de sua vida.]
Peter também está com problemas. Ele está inseguro sobre ser pai. Não sabe como lidar com a responsabilidade. E Jack continua em dúvida sobre seu relacionamento com a namorada.
A trama serve como cenário para as assinaturas visuais e filosóficas do cineasta. Percebemos os longos silêncios, as pausas e o slow motion a serviço da história. São tomadas angulares em que o diretor brinca com as cores e o formato, criando um verdadeiro experimento fílmico. Impressiona também o trabalho do diretor de fotografia Robert D. Yeoman e o cenógrafo Mark Friedberg no espaço claustrofóbico do trem. Todo esse aparato técnico é utilizado com a intenção de dar uma aura humorística e afetuosa à narrativa. Através desse exercício cênico os atores encontram instintivamente o tom exato de suas interpretações. Percebe-se que o elenco está afinado com a proposta.
O filme é repleto de momentos únicos apoiados no absurdo, que através das lentes de Wes Anderson se transformam em situações cotidianas e corriqueiras. O roteiro escrito por ele, Roman Coppola e Jason Schwartzman nos remete a uma combinação de dois filmes anteriores de Anderson: a família disfuncional de Os Excêntricos Tenenbaums e a jornada por um território desconhecido de A Vida Marinha de Steve Zissou.
O único senão fica a cargo do terceiro ato do argumento. Nesse momento a trama perde o rumo, da mesma forma que os personagens. Talvez tenha sido proposital, para demonstrar que mesmo durante uma viagem em busca da paz espiritual é necessário puxar o freio em certas situações. Após o encontro inusitado de Patricia e seus filhos, os irmãos prosseguem, retornando a cadencia inicial da história. A última tomada deixa claro que diversas pendências foram resolvidas, mas a jornada, como a vida, continua.