Filmes do alemão Werner Herzog, como o recente O Sobrevivente, reforçam a ideia de que o ambiente molda o homem, e a este resta medir forças diante da completa assimilação. No caso de Vício Frenético (Bad Lieutenant: Port of Call New Orleans), remake do longa homônimo de Abel Ferrara, o contexto já é dado desde o começo, com uma cartela informativa: "pós-Furação Katrina".
bad lieutenant
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Podemos esperar, portanto, que locações em Nova Orleans e arredores, com suas águas batendo no pescoço e casas em ruínas, transfiram para o comportamento dos personagens o estado de caos que tomou a Louisiana depois da tragédia de 2005. Como se a presença de Nicolas Cage já não fosse prenúncio suficiente de caos.
Ele interpreta o personagem do título, Terence McDonagh, recém-promovido a tenente. Um caso de chacina toma sua atenção, seis meses depois da passagem do furacão: uma família de imigrantes senegaleses foi assassinada, e suspeita-se de envolvimento dos traficantes de droga da vizinhança. Enquanto a investigação se desenrola, Terence tem seus próprios problemas para resolver. Pra começar: dívidas de apostas, dores nas costas, abuso de drogas e um pai que está querendo parar de beber.
Cineasta não dado a comedimentos, Herzog incentiva os surtos de Cage. Numa entrevista, perguntado porque atuava "over the top" (com exagero), o ator soltou uma boa: "Não entendo essa expressão... Acima do topo... Topo do quê?". Overacting à parte, o fato é que o antinaturalismo é essencial para que Herzog trabalhe o estado físico e mental do mau tenente como um conto sobre a desordem social e moral.
E aí vai muito da sensibilidade do espectador. A postura de Cage, de quem parece vestir um terno sem tirar o cabide, pode ser genial ou ridícula, dependendo do gosto de cada um, assim como a obsessão de Herzog por personagens reptilianos. Só não dá pra acusar o diretor de displicência: a marcação de cena e os enquadramento que sempre deixam o tenente à vista (nem que seja refletido no canto de um espelho) são obra de quem sabe o que está fazendo.
Vício Frenético não é o melhor trabalho do alemão, mas está dentro da sua fértil linhagem de histórias que propõem questões bem interessantes sem, em momento algum, abrir mão do filme de gênero. Temos aqui um longa-metragem policial com subtramas amarradas e viradas divertidas, e temos também uma bela análise de como o caos, na tentativa de se reordenar, comporta não só convicções éticas (ou religiosas, ou místicas), como lufadas de sorte e acaso.
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