Eu não esperava rir tanto quanto ri durante a minha sessão de Decisão de Partir. Embora sempre tenha sido um observador arguto da contemporaneidade, Park Chan-wook não é exatamente um cineasta conhecido pelo seu bom humor - mas, em seu novo filme, o homem responsável por Oldboy e A Criada (ao lado de Chung Seo-kyung, sua parceira de roteiro de longa data) tempera uma história de amor perturbada com personagens secundários adoravelmente incompetentes, uma consciência aguda do absurdo inerente de sua história, e uma mão cheia de escolhas visuais que esbarram no pastelão.
É curioso observar como a comédia de Decisão de Partir se entrelaça primeiro com os seus aspectos de mistério, depois de romance, e por fim de tragédia. O ponto de partida da trama, afinal, é o assassinato de um ricaço controlador, do qual a sua jovem esposa chinesa Song Seo-rae (Tang Wei) é a principal suspeita. O dedicado - ao ponto da neurose - policial Jang Hae-joon (Park Hae-il) começa a investigar o caso, mas aos poucos se vê perdidamente apaixonado pela viúva, embora a sua obsessão com a resolução do assassinato não dê trégua.
Entre tocaias intermináveis ao lado do seu parceiro desleixado e interrogatórios policiais transformados desavergonhadamente em encontros românticos coroados por pratos caros dos melhores restaurantes da cidade, Decisão de Partir coloca o seu protagonista em um espaço liminar entre a competência obsessiva e a hipocrisia flagrante. Chan-wook se diverte com essas contradições, mas nunca deixa de dedicar a sua câmera à paixão que nasce entre Seo-rae e Hae-joon, abusando de enquadramentos criativos que os colocam em sobreposição, close-ups que realçam olhares e reações de anseio e desejo.
Ao lado do diretor de fotografia Kim Ji-yong (A Era da Escuridão, Em Silêncio) e de seu habitual montador Kim Sang-beom, Chan-wook cria um romance tão intoxicante para o espectador quanto é para os personagens. O sucesso dessa transferência emocional é chave para que Decisão de Partir funcione dentro de suas muitas facetas de gênero: se o espectador é inicialmente fisgado pelo mistério do assassinato, com o filme se inscrevendo nos procedimentos (até no humor!) típicos do whodunit, o que nos carrega para além do enigma vazio no centro da trama são as nuances únicas do relacionamento principal.
É a força dessa conexão entre eles, também, que leva Decisão de Partir para além da sua trivialidade cômica mordaz, lá no terceiro ato, o transformando subitamente em uma tragédia romântica de proporções shakespearianas. O sufoco sentido por Hae-joon diante da vida doméstica, a desolação de seu desencontro com Seo-rae, a repetição irônica dos padrões que definem a vida dos dois, a aridez dos cenários onde a atração fervilhante deles é revivida, a ausência que os compele na direção um do outro, em um clímax de cortar o coração… as emoções de Decisão de Partir são gigantes, e o filme se despe do cinismo para permitir que elas sejam.
Todas essas manobras tonais são executadas por Chan-wook e cia. com uma confiança, uma eloquência, que jamais trai a dificuldade óbvia de balancear essa narrativa. Nada traduz melhor a clareza de propósito de Decisão de Partir do que a performance de Tang Wei como a viúva (e assassina?) Seo-rae: cuidadosamente dissimulada e perigosa enquanto entra no jogo do seu investigador-amante, palpavelmente desesperada em sua ânsia de se reunir com ele, mas sempre - sempre - cristalina em sua personificação do amor intenso, carente e desafortunado daqueles que nunca foram amados como deveriam.
Ela, tal qual Decisão de Partir, é brilhante por ser verdadeira dentro das antíteses que formam a experiência do amor. Um amor ridículo em seu valor corriqueiro, mas complicado em suas implicações morais; incapturável na efemeridade de sua alegria, mas indivisível na forma como essa alegria perdura na memória. Nada se compara a ele, não porque não haja nada melhor, mas porque não há nada igual - um altíssimo elogio para qualquer obra de arte, eu diria.