Embora não faça filmes com a regularidade que se esperaria, Alex Proyas ocupa lugar hoje numa lista de diretores seleta, como Guillermo del Toro, James Cameron e os irmãos Wachowski, que resistem à tentação do cinema irônico e autorreferente e tentam fazer filmes de fantasia, épicos e ficções científicas com uma preocupação com uma criação de universo que seja particular. Novo filme de Proyas, Deuses do Egito evidencia essa preocupação, embora à primeira vista pareça mais um épico de Antiguidade embranquecido por Hollywood.
Na trama, os deuses egípcios convivem com mortais à beira do Nilo, uma harmonia rompida por Set (Gerard Butler, não muito à vontade como vilão), que mata seu irmão, o rei Osíris (Bryan Brown) e usurpa o trono que seria herdado pelo despreparado Hórus (Nikolaj Coster-Waldau), Deus do Ar. Com a ajuda de um ladrão mortal (Brenton Thwaites), que deseja reviver sua amada, Hórus deve acabar com a tirania de Set, que escravizou os egípcios em nome de sua ambição.
Antes de se tornar um filme de travessia - organizado em torno de viradas rápidas e cenas de ação e aventura econômicas, que não perdem tempo com o supérfluo - Deuses do Egito começa como uma trama de intrigas palacianas bastante interessante, que joga com a fotografia (fulgurante, carnavalesca) e a proporção (os deuses têm quase o dobro do tamanho dos mortais) para engrandecer os protagonistas, e por extensão tornar essas intrigas mais grandiloquentes. É uma opção visível e decidida pelo registro mais teatral, semelhante ao de O Destino de Júpiter, outro filme sem o menor apetite (ou talento) para o sarcasmo.
Proyas tenta fazer aqui um filme que não se contenta apenas com a virtuose nas cenas de batalha. É isso que diferencia Deuses do Egito de outros épicos recentes, como Imortais, o 300 genérico de Tarsem Singh (que provavelmente se considera um grande esteta mas não tem o mesmo compromisso com gestações de universos ficcionais de Proyas). Na verdade, as batalhas são o ponto fraco de Deuses do Egito, filmadas com travelings vacilantes e cortes fora de hora, e com efeitos visuais que frequentemente parecem inacabados. Vi o filme em 2D, mas não tenho certeza de que esses efeitos possam parecer melhor numa projeção tridimensional.
Problemas de casting (que aliás também vitimavam o filme dos Wachowski) e desequilíbrio visual à parte, Deuses do Egito tem a ambição que se espera de um verdadeiro épico de fantasia. Se vai perdendo o vigor ao longo de suas duas horas - em que recorre vez ou outra a soluções fáceis de dramaturgia, como na relação de Hórus com a Deusa do Amor (vivida pela Elektra da TV, Elodie Yung, destaque de um elenco que tem nas mulheres suas melhores escolhas) - ao menos o filme se conclui almejando a grandiosidade.
Ao final, fica a impressão de que falta alguma coisa a Deuses do Egito, assim como a outros épicos falhos recentes como John Carter e mesmo O Destino de Júpiter, para se firmar como o filme que nadará contra a corrente dos blockbusters irônicos e autorreferentes e fará justiça a esse gênero tão cinematográfico que já viu dias melhores.