Costumo acreditar que as animações são o jeito mais imediato de dialogar não apenas com crianças, como também com adultos, principalmente na forma como elas parecem entender como acessar nossas vulnerabilidades. Em 2015, Divertida Mente transformou esse aspecto psicologizante dos filmes da Pixar em uma premissa de fato, apresentando de forma lúdica como emoções se comunicam entre si nos nossos anos de formação, e ajudam a nos tornar o que somos, mas é com Divertida Mente 2 que o estúdio parece lidar mais de frente com as questões do amadurecimento.
Desta vez, acompanhamos a jovem Riley, agora com 13 anos e prestes a entrar na puberdade, finalmente se adaptando à sua vida em San Francisco. A garotinha está crescendo, tem novos amigos, desejos e sonhos, e precisa conciliar tudo isso com o turbilhão intenso que vem de suas emoções - enfim, nada que Alegria (Miá Mello, em português) já não esteja habituada a encarar. O problema é que, com a chegada da adolescência, Riley traz para a sua mente novos colegas de controle para suas emoções mais antigas: Ansiedade (Tatá Werneck), Tédio (Eli Ferreira), Inveja (Gaby Milani) e Vergonha (Fernando Mendonça).
Apesar de repetir em grande parte a fórmula do primeiro filme, e para além desse elenco mais complexo de afetos cartunescos, Divertida Mente 2 assume que está amadurecendo, assim como Riley. Adicionar uma personagem como a Ansiedade – o destaque do filme, numa época em que animações para adolescentes, como os filmes de Aranhaverso ou o Red da própria Pixar, entendem os ataques de pânico como uma constante nas jornadas de formação – almeja retratar de forma fiel como os transtornos mentais começam a se manifestar. Ansiedade se mostra fofa e engraçada no início do filme, mas com o tempo começa a comandar a vida da garota, transformando-se em uma ameaça que se presta a antagonista no arco de conflitos de Riley.
Na continuação, as emoções já conhecidas também ganham mais camadas, que mostram que não lidamos com elas da mesma forma conforme crescemos. A Alegria, em certo momento, extravasa e explica entre lágrimas que “ninguém sabe o quanto é difícil se manter sempre feliz”. A Tristeza (Katiuscia Canoro), apesar de toda a sua aparente lentidão, não é responsável por paralisar Riley - ao contrário, ela serve para extravasar aquilo que há dentro dela e, de certa forma, move Riley em direção ao que quer.
Enquanto esse aprofundamento das emoções serve para justificar a sequência, Divertida Mente continua transformando esses sentimentos em cores e texturas para apelo visual. Quando Alegria vive o seu momento mais caótico, ela aparece bagunçada, com os cabelos em completo desacordo; já a Ansiedade surge sempre de forma fofa e desajeitada, torcendo e retorcendo seu corpo como se fosse um soco no estômago, dando ao público uma noção básica de como é ser acompanhada diariamente por essa emoção dolorosa. Outra tendência da animação que se consagrou nesta década, das misturas de técnicas para tornar as texturas mais estilizadas, é aplicada pela Pixar em Divertida Mente 2, seja renderizando personagens em gráficos de PlayStation 2 ou empregando animação 2D para evocar Dora, a Aventureira.
O filme parece interessado em manter, portanto, um olho nas tendências enquanto preserva o que funciona; o trabalho da dublagem segue excelente, uma constante nas produções da Pixar. Se na versão original temos nomes como Amy Poehler, Maya Hawke, Ayo Edebiri, em português brilham Miá e Katiuscia, enquanto Dani Calabresa, Otaviano Costa e Léo Jaime retornam para dar profundidade aos seus personagens – Nojinho, Medo e Raiva, respectivamente - que ganham mais destaque na sequência. Eli Ferreira tem o tom perfeito para sua Tédio; Gaby Milani é uma Inveja muito mais doce e divertida do que imaginaríamos na vida real; e Fernando Mendonça traz a timidez ideal para o Vergonha.
A maturidade de Divertida Mente 2 está essencialmente em entender que repetir a estrutura do original nem sempre é algo ruim; em assumir que sim, sentimentos se transformam e surgem como algo profundo e novo; em dizer que as convicções que adquirimos ao longo da vida são o que nos fazem ser o que somos. E ele mostra que se afiançar a essas convicções pode tornar um filme de franquia algo autêntico e valoroso.