É admirável o esforço de Millie Bobby Brown em escolher papéis de mulheres fortes em suas incursões pelo cinema depois de ter alcançado o status de estrela em Stranger Things. Elodie, a protagonista de Donzela, filme da Netflix que estreia nesta sexta-feira (8) e que tem a atriz como produtora executiva, parece se encaixar muito bem nessa categoria. Mas a produção, que prioriza a ação e desenvolve mal seus personagens, resulta numa história bem mediana e nada memorável.
O longa, dirigido pelo espanhol Juan Carlos Fresnadillo, parece ter pressa de chegar aos finalmentes e faz a apresentação mais breve possível do que está em jogo: a figura ameaçadora de um dragão, uma mocinha altruísta e o casamento por conveniência com um príncipe como último recurso para salvar seu povo de passar fome. Elodie tem um rápido encontro com seu noivo pouco antes da cerimônia, e Henry (Nick Robinson) até que parece um cara melhor que a encomenda.
A única pessoa que desconfia que o “felizes para sempre” não chegaria assim tão cedo na trama é a madrasta da noiva, Lady Bayford (Angela Bassett). A intérprete veterana aproveita com inteligência o pouco tempo de tela a que tem direito e convence como uma mulher que se preocupa com as aparências, sim, mas que, acima de tudo, preza pelo bem-estar das enteadas. É a personagem mais tridimensional do filme e, talvez, a única subversão real dos elementos de contos de fada dos quais ele se apropria.
Por outro lado, Robin Wright, outra atriz de grande quilate, não tem tanta sorte e fica confinada ao papel caricatural da rainha má, Isabelle, que escolhe palavras bonitas em seu discurso, joga veneno com discrição e não tem um pingo de humanidade no coração. O roteiro de Dan Mazeau até ensaia criar um mistério aqui, mas não é bem-sucedido. Apenas Elodie não sabia o que aconteceria com ela durante o estranho ritual pós-núpcias.
Então, a (insossa) roupagem de aventura fantástica fica para trás, e a produção se mostra como realmente é: uma história de sobrevivência que exige do público uma boa dose de suspensão de descrença, porque lança uma solução fácil atrás da outra para manter a protagonista viva, além de flashbacks bastante convenientes para explicar a verdade por trás da macabra tradição local.
Ao longo das sequências de ação, Donzela lança uma interessante metáfora visual por meio do figurino de Elodie. Cada peça de seu vestido de noiva, que vemos ser sobreposta graciosamente em seu corpo antes do casamento, vai ficando pelo caminho enquanto ela luta para escapar. Acontece que ela nunca foi uma princesa que precisa ser salva para ser desconstruída dessa forma. Para que esse arco tivesse mais força, seria necessário conhecer mais das fragilidades de Elodie, coisa que o filme não mostra.
E isso também remete a uma outro tema que atravessa toda a narrativa, mas que fica apenas na superfície o tempo inteiro: o sacrifício. Essa é a palavra usada para descrever o ritual da família real para aplacar a fúria do dragão, mas também serve perfeitamente para representar a visão que Elodie tem de si, em relação a sua família e seu povo, e, em um nível mais amplo, ao que a sociedade espera das mulheres: que elas abram mão da própria vida pelo bem-estar alheio.
A rainha Isabelle, em seu discurso distorcido e hipócrita, chega a falar em um “legado de honra e dever”. Pela falta de reação dos demais, presumimos que todos concordam com essa visão, algo reforçado pelo fato de o remorso acometer os homens da história, Henry e o pai de Elodie, Lord Bayford (Ray Winstone), apenas quando já é tarde mais. Subversivo mesmo seria se esperassem algo diferente da nossa heroína e se ela não precisasse fazer tudo sozinha.