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Crítica

Duna - Parte 2 adere de vez ao gigantismo para superestimar seu impacto

Timothée Chalamet e Zendaya se apequenam em história que ainda se dilata nos preparativos

28.02.2024, às 17H19.
Atualizada em 28.02.2024, ÀS 17H31

Na crítica da primeira parte de Duna, escrevi que o filme opera em dois níveis que pouco se comunicam entre si: o épico de escopo descomunal, com todo o gigantismo de naves, palácios e horizontes sem fim, e o drama de câmara dos personagens envolvidos nesse épico, cujas intrigas palacianas são quase sempre enquadradas em plano americano ou close-up, sem a devida aproximação para de fato situar sua presença nesse mundo. O diretor Denis Villeneuve não comete o mesmo erro em Duna - Parte 2: ele simplesmente faz uma escolha pelo gigantismo. 

No sobe e desce de dunas de Arrakis, onde quase toda a ação do filme se ambienta, nem sempre se divisa quem são os personagens debaixo do trajestilador dos fremen. Os planos aéreos tornam todos eles parte da mesma massa de insurgentes, e a ação abraça o gigantismo sem pressa de concluir a vendetta de Paul Atreides contra os Harkonnen. Duna 2 convida o espectador a esse jogo ótico de proporções na esperança de que o aspecto lúdico desses encontros tipo Davi e Golias compense o exagerado apego ao tempo dramático da conversão messiânica de Paul no deserto.

Para isso, cabe às vinhetas da trilha de Hans Zimmer, como é de seu costume, injetar forçosamente uma dramaticidade a esses triunfos rotineiros de batalha e sobrevivência. Duna 2 se dispõe a atender expectativas de um público criado não com jogos de estratégia - gênero onde a franquia prosperou nos anos 1990 - e sim com shooters de guerra, e seu cuidado em tornar cada tiro à distância um evento em si (frequentemente dando ao espectador o privilégio do visor em primeira pessoa na hora de mirar) diz muito sobre onde reside o prazer da jornada que Villeneuve nos oferece.

Talvez o cineasta canadense seja mesmo o tributo certo na hora certa, nesta guerra que Hollywood trava hoje contra a sua obsolescência (e contra a indústria dos games). Não é a primeira vez que os filmes americanos se refugiam nos épicos para responder a uma crise; a renovação da Nova Hollywood no fim dos anos 1960 foi precedida tanto por obras-primas do gênero, como Lawrence da Arábia (1962), referência obrigatória na criação de Duna, quanto por elefantes brancos como Cleópatra (1963). Os inchaços do roteiro, a estetização “de bom gosto” e a forma como Villeneuve superestima as complexidades do livro sugerem que Duna 2 se encaixa mais no segundo caso.

No seu livro que repassa a história da ficção científica (publicado no Brasil pela editora Seoman), o britânico Adam Roberts diz que um dos segredos do sucesso de Duna é reunir tropos simples, acessíveis, para expressar temas complexos. A simplicidade não tem vez em Duna 2, seu valor depreciado em tempos de didatismo e temas sublinhados em diálogo. Villeneuve precisa que seu filme pareça mais profundo que o blockbuster padrão - é nessa autoimportância que Hollywood acredita residir o segredo para levar as massas às salas de cinema. Em cena, isso faz do épico uma grande demonstração de populismo, em que o apelo da jihad se converte numa convocação santa da volta ao multiplex.  

O épico e o populismo, de qualquer forma, andam de mãos dadas sempre que o cinema acessa, para reforçar o papel do salvador branco, a força dessas narrativas orientais de mobilização religiosa. Ao contrário de um filme como Rambo 3 (1988), porém, Duna 2 resiste ao máximo aos prazeres do escapismo. O world building da sua ficção científica - expressa no idioma fremen, no cuidado com o design de objetos, nas texturas dos ambientes - se desenrola menos como um sistema orgânico que ganha autonomia e mais como um exibicionismo de especificidades. Nunca em Hollywood se filmou tanto close-up de figurantes e Villeneuve confia que este Duna ganhará densidade e gravidade pelo desfile de rostos etnicamente diversos da sua multidão. 

Às figuras dos protagonistas Timothée Chalamet e Zendaya sobra pouca margem de manobra para dar vida a seus personagens, nesse contexto de cálculo e gigantismo. Em relação ao livro, o roteiro atualiza a importância de Chani para dar, na dramaturgia, um pouco mais de concretude e urgência aos dilemas messiânicos de Paul, que no mais permanecem uma abstração jogada para o desfecho da prometida trilogia. Ainda assim, são dois atores de uma geração criada e especializada no consumo irônico, fadados a manter distância segura dos personagens arquetípicos que interpretam em space operas como Duna.

O páthos que falta a Paul e Chani transborda em Stilgar. Se Duna 2 trafega num fio de navalha - minimizar a carga cultural e étnica do material do livro e ser acusado de embranquecê-lo, ou assumir plenamente essa carga e ser acusado de orientalismo - Javier Bardem atua solto e despreocupado (dá até pra dizer que se diverte muito) como se essa questão não lhe dissesse respeito, em absoluto. O filme desidrata quando Stilgar não está em cena; é através dele que o impacto da profecia se sente de fato, como se reverberasse na sua postura e nas reações ao que vê e vive - não em texto ou subtexto mas em ação. Que sua atuação provavelmente seja recebida como um mero alívio cômico diz muito sobre o que há de mais crítico na tal crise.

Nota do Crítico
Bom