Godard desaprovou quando Spielberg recriou Auschwitz em A Lista de Schindler, esforço de romantização que o francês julgou moralmente questionável, e embora Dunkirk passe longe do Holocausto (a única iconografia nazista recriada no filme são as cruzes pretas que identificam os caças alemães) Christopher Nolan se expõe a controvérsia semelhante. A título de elegia, sua história-baseada-em-fatos reconta a batalha no porto de Dunquerque num suspense que existe em função do frenesi do combate.
A estrutura tríptica - acompanhamos simultaneamente soldados na praia por uma semana, um barco de resgate por um dia e o caça pilotado por Tom Hardy por uma hora - permite que Dunkirk transcorra inteiro como o clímax não-linear de A Origem, de tempo forte em tempo forte, dilatando momentos dramáticos com o sustento da trilha onipresente de Hans Zimmer. Do embarque de um pequeno veleiro civil às trocas protocolares de mensagens dos pilotos, pontos de partida da trama, tudo no filme é narrado com urgência pré-planejada.
Se essa urgência se justifica, se o artifício esvazia ou não o sentido da guerra, essas dúvidas ficam imediatamente emudecidas pela ação que Zimmer acompanha em eterno crescendo e que Nolan filma com sua generosa oferta de recursos, como os encaixes instalados para câmera IMAX na lataria do Spitfire. A boa parte dos personagens cabe o privilégio de assistir à ação, coadjuvantes funcionais catatônicos como o coronel vivido por James D'Arcy, que está no filme apenas para ouvir Kenneth Branagh explicar o contexto da Segunda Guerra.
É evidente que Nolan modula aqui sua ambição para se aproximar do cinema de guerra com o mesmo tom operístico com que Stanley Kubrick criava seus filmes mais pretensiosos. Dunkirk promete "a guerra como você nunca viu" e entrega uma experiência cheia de sobrecargas sensoriais, mas o que resta dela em seguida? Com o mesmo arranque seco que havia começado, o filme se encerra num triunfo estranho, tateando imagens em busca de significado, alternando close-ups de personagens fitando o vazio.
Se o filme de Nolan não encontra uma conclusão que o justifique, talvez seja porque o espetáculo é uma justificativa em si mesmo. Não há nada de errado nisso. James Cameron gastou os tubos recriando o horror do Titanic com o mesmo impulso sádico de Dunkirk, mas tinha plena noção do valor da história que contava e do gênero a que se filiava, e as fantasias do seu melodrama sulista ajudavam a evitar, pela espetacularização, a frontalidade da morte. Já em Dunkirk não há escapismo possível; de todos os instrumentos ao alcance de Nolan a fantasia nunca foi um deles.