Cena de É Assim Que Acaba (Reprodução)

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Crítica

É Assim Que Acaba é adaptação fiel e luxuosa - até as páginas finais

Best-seller de Colleen Hoover chega aos cinemas com mensagem tragicamente distinta

08.08.2024, às 15H22.
Atualizada em 08.08.2024, ÀS 15H37

Para quem fica de fora das tendência do TikTok, vale explicar: Colleen Hoover é autora best-seller de diversos romances de comoção, nos quais os protagonistas precisam superar os seus traumas do passado para poder abraçar um relacionamento amoroso. A adaptação ao cinema do seu É Assim Que Acaba se propõe ser fiel ao livro, na crença de que não vai alienar os milhões de leitores da obra e, ao mesmo tempo, de que a narrativa permanece emocional e surpreendente o suficiente para angariar um público novo.

O filme começa com a morte do pai de Lily (Blake Lively), que traz à luz a dificuldade que a protagonista sentia em se relacionar afetivamente com ele. É então que ela conhece Ryle (Justin Baldoni, também diretor do longa), um neurocirurgião sarado, e sua vida começa a mudar para melhor. O casal tem muita química em cena e o papel clichê da melhor amiga excêntrica da protagonista - também irmã de Ryle - é muito bem preenchido por Jenny Slate, formando um núcleo central carismático para dar corpo a esses personagens de fórmula.

Ao longo do filme, no entanto, os papéis se complexificam. Traumas se ilustram, como seria de se esperar, em flashbacks como aqueles da infância de Lily, em que ela vive um romance adolescente com um garoto em situação de rua (Atlas, interpretado por Alex Neustaedter), fugido de casa por conta do namorado violento da mãe. Entendemos, então, que Lily vive uma situação parecida em sua família: o pai dela bate na mãe. E a reviravolta na história se dá quando Lily descobre que seu novo amor, Ryle, também tem um lado abusivo.

Esse é o momento divisor de águas do filme - É Assim que Acaba foi vendido como um romance água-com-açúcar, e o público não espera que a protagonista seja vítima de violência doméstica, principalmente desse cara que “é tudo de bom”. O apelo do texto de Hoover está nessa manipulação de expectativas, e Baldoni traduz essa questão com destreza, deixando os momentos de agressão dúbios, no início, e retornando a eles quando a protagonista tem um momento de epifania e entende sua situação com clareza.

De modo geral, o filme ainda representa a violência doméstica de forma elegante, ressaltando a seriedade do assunto dentro da trama, ao invés de focar no ato da violência em si. Tudo fica claro no jogo de câmera, no discurso dúbio do "antagonista", nos hematomas que aparecem em seguida. Mas essa abordagem também pode ser uma forma de amenizar as críticas feitas ao livro, acusado de romantizar um relacionamento abusivo. No filme - que abraça a grandiosidade do fenômeno literário, com música-tema de Taylor Swift (“My Tears Ricochet”) e plena consciência de si - a preocupação com as críticas leva a soluções mais apaziguadoras. A elegância pode também ser uma forma de diluição.

[Spoilers do final a partir daqui]

É por isso que o filme faz uma única grande mudança em relação ao material original, alterando o final da história - e também a mensagem que ela carrega. No final do livro, Hoover, que inspirou muito da trama nas vivências de sua mãe como vítima de violência doméstica, revela que cresceu tendo uma relação próxima com o pai, apesar de tudo, uma vez que a mãe da autora (e Lily, no livro original) compartilha a guarda da filha com o ex-marido após a separação. É uma concessão que a escritora define como “[um dos] passos necessários para destruir o padrão antes que o padrão nos destruísse".

No filme, o elemento da guarda compartilhada fica de lado, e Lily escolhe afastar também a filha da convivência de Ryle. Com isso, ela continua ressentindo o pai e, provavelmente, criando um relacionamento parecido para a sua filha. O padrão, aqui, só se perpetua - para aproveitar os termos em que Hoover coloca a questão.

Para além das implicações morais dessa escolha, o fato prático é que a mudança do final acaba virando uma ponta solta no filme, de acordo com o que os manuais de roteiro pregam, uma vez que o arco de Lily se inicia na morte do pai e se encerra sem nenhuma “transformação”. Isso, evidentemente, se não enxergarmos essa narrativa como uma tragédia; como tal, a autorrealização do padrão é a coisa mais profeticamente trágica que poderia acontecer à personagem.

Nota do Crítico
Bom