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Com elenco estelar, Entre Mulheres mostra o poder do diálogo

Longa está indicado ao Oscar de melhor filme

02.03.2023, às 10H31.

Poucos filmes têm um título original tão preciso quanto Entre MulheresWomen Talking, ou “mulheres falando”, em tradução livre. O longa de Sarah Polley, afinal, é literalmente centrado em mulheres falando; a aparente simplicidade da premissa, no entanto, esconde camadas de uma história intimista que aos poucos revela um escopo épico, carregado pela potência de seus diálogos e de seu hábil elenco.

Baseado no livro homônimo de Miriam Toews, o longa acompanha um grupo de mulheres que moram em uma comunidade cristã menonita isolada nos EUA. Alvos de crimes sexuais cometidos pelos homens da comunidade, elas formam um plebiscito para escolher se deixam a comunidade, que representa tudo o que conhecem até então, ou se ficam e lutam para torná-la um lugar mais seguro – uma opção não muito mais fácil, visto que quase todos os homens adultos do local se dispuseram a pagar a fiança dos criminosos e deram às suas esposas, mães, irmãs e filhas um ultimato: ou elas perdoam os agressores, ou terão de arriscar a danação eterna.

Representantes de três famílias são então escolhidas para debater o assunto, incluindo as irmãs Salome (Claire Foy) e Ona (Rooney Mara), a cética Mariche (Jessie Buckley) e as matriarcas – se é que se pode usar a palavra em um contexto tão patriarcal – Agata (Judith Ivey) e Greta (Sheila McCarthy). O que se segue são conversas francas e inspiradoras, que navegam entre a fé que é tão cara a essas mulheres e o desejo quase utópico por uma vida melhor.

Não à toa, o filme abre com a seguinte frase, escrita em letras maiúsculas: “Esta história é fruto da fértil imaginação feminina”. É, ao mesmo tempo, uma tirada contra os agressores e seus cúmplices – que não demoraram em atribuir os ataques a uma suposta “histeria” feminina – e também uma descrição precisa do que se passa quando as mulheres conversam. Como diz Ona em certo momento, sonhar é o que resta a elas, que foram tão despidas de qualquer poder sobre suas vidas e seus corpos.

É significativo que seja com quase todos os homens longe que as protagonistas comecem a de fato colocar seus sonhos em prática, e construir coletivamente o futuro que imaginam para si e seus filhos, longe das restrições e violências que por tanto tempo lhes foram impostas. A exceção é a presença sensível de August (Ben Wishaw), professor da colônia e o encarregado de registrar a minuta da reunião, visto que nenhuma das moradoras sabe ler ou escrever.

A construção desse futuro, no entanto, não é necessariamente linear, o que o roteiro brilhante de Polley compreende muito bem. Para além do peso da escolha que paira sobre o grupo e de suas indagações sobre a natureza da fé, a conversa é entrecortada por emoções muito palpáveis: ternura, raiva, risos e indignação se misturam ao longo do filme, apresentando um pouco mais das histórias e das personalidades daquelas mulheres e criando uma cumplicidade maior entre elas e o público.

Neste contexto, Polley ainda faz algo que infelizmente é raridade em Hollywood: conferir individualidade às sobreviventes de violência. Cada uma das personagens de Entre Mulheres sofreu algo indizível; e cada uma expressa seus traumas de uma forma diferente, assim como acontece na vida real. O cinismo de Mariche, a fúria de Salome e os ataques de pânico da jovem Mejal (Michelle McLeod) são reações particulares, construídas com sensibilidade pela cineasta e por seu elenco espetacular. É até injusto apontar algum destaque entre as atrizes, todas excepcionais – mas Jessie Buckley, em particular, se sobressai revelando aos poucos as camadas de sua Mariche.

É nessa junção dos detalhes de seus roteiros com o cuidado de suas interpretações que o filme se mostra um exercício poderoso e comovente de imaginação. Levado pela força de seus diálogos, Entre Mulheres transcende as paredes do celeiro onde se passa a maior parte de sua ação e se mostra um épico universal. As decisões que suas personagens precisam tomar, afinal, são maiores que a vida, como em todo bom épico – e encontram ecos em todo lugar, não importa se em rincões longínquos ou grandes zonas urbanas.

Nota do Crítico
Ótimo