Filmes

Crítica

Entre Segredos e Mentiras | Crítica

Premiado documentarista estreia na ficção em um filme indeciso diante da interpretação dos fatos

20.10.2011, às 19H01.
Atualizada em 29.06.2018, ÀS 02H37

Andrew Jarecki estreou na direção de longas em 2003 com um dos melhores documentários da década, Na Captura dos Friedmans, sobre uma respeitável família judia que escondia uma rotina de crimes e abusos. A cada nova informação revelada sobre os Friedmans, o filme ficava mais longe da "verdade". O que Jarecki consegue expor, no fim, é a incapacidade dos documentários de dar conta, plenamente, da realidade.

entre segredos e mentiras

entre segredos e mentiras

entre segredos e mentiras

Com a ficção pode ser diferente?

Depois dos Friedmans, Jarecki foi atrás de outra família judia respeitável com seus segredos, a de Robert Durst. Herdeiro de donos de imóveis em Nova York, Durst tornou-se suspeito pelo desaparecimento de um corpo em 1982. O sumiço nunca foi esclarecido. Em 2000, uma amiga de Durst que acreditava-se saber o paradeiro da vítima foi encontrada morta em sua casa. Robert Durst nunca foi formalmente acusado de participar dos dois casos.

Jarecki fez mais de 100 horas de entrevistas com pessoas próximas ao empresário para conceber Entre Segredos e Mentiras (All Good Things), versão ficcional da história de Durst. No filme, o nome dele é trocado para David Marks (Ryan Gosling) e Kirsten Dunst interpreta a sua esposa, Katie Marks. A trama começa em 2003, quando David, em um tribunal, relembra a sua vida adulta, a partir do momento em que ele conhece Katie, em 1971.

Jarecki tenta refazer a vida do casal - o casamento, seus planos, suas diferenças - a partir dos fatos que conseguiu coletar, tomando aqui e ali algumas licenças para preencher a trama. Essa disputa entre o factual (o pouco que Jarecki comprovou nas entrevistas, em meio a tanto mistério) e o inventado (o pouco que ele presume para não deixar tantas pontas soltas) acaba fazendo de Entre Segredos e Mentiras um filme vazio de sentidos. E sem sentidos o que dá o tom é a morbidez.

Não convém revelar muito para não estragar as surpresas, mas digamos que David Marks é reduzido a um desvio edipiano de caráter - e que nunca conseguimos ter uma dimensão verdadeira dos motivos que o levam a ser quem ele é. Existe um trauma do passado (o tratamento que seu pai dava à mãe de David) que é amplificado no presente (o tratamento que o pai dá a David nos negócios da família), mas o diretor não entra em detalhes que nos permitiriam entender melhor esse mal.

O uso que Jarecki faz das elipses talvez esteja no centro do problema. Dá pra entender por que ele as utiliza - a elipse salta de um evento a outro provavelmente para deixar um vácuo que o diretor, no seu apego aos fatos, não teve como preencher - mas a repetição do recurso vai criando buracos na trama. A premissa de Entre Segredos e Mentiras era muito promissora (especialmente o reflexo que o trabalho junto às vizinhanças corrompidas de Nova York teriam sobre David), o que só torna maior a frustração com o resultado final.

No fim, Jarecki não soube responder àquela pergunta do início. A função da ficção seria justamente preencher as lacunas que um documentário não tem como completar - é uma escolha pela tirania, não é uma transição fácil - e em Entre Segredos e Mentiras o documentarista não deu espaço para o ficcionista criar.

Entre Segredos e Mentiras | Trailer

Nota do Crítico
Regular