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Crítica

Era Uma Vez na Anatólia | Crítica

Arqueologia do presente

17.10.2014, às 16H51.
Atualizada em 07.11.2016, ÀS 11H05

Em Era Uma Vez na Anatólia, ambientado nos arredores rurais da cidade de Keskin, na Turquia, um médico e um promotor acompanham a polícia e um homicida confesso na busca de um corpo enterrado nas estepes. Horas noite adentro e nada do corpo. Quando perde a paciência com o criminoso, o chefe de polícia o agride, e é logo repreendido pelo promotor: "Não é dessa maneira que a Turquia vai ser aceita na União Europeia", diz.

era uma vez na anatolia

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Essa fala dá o contexto necessário para entender o que o diretor Nuri Bilge Ceylan propõe neste seu melhor trabalho, um filme quase "romeno" na sua capacidade de ver a tragicomédia de um país em transformação. Assim como a Romênia do cinema do século 21, há duas Turquias em Era Uma Vez na Anatólia: uma ancestral e mistica, feita de mistérios e fábulas orais, como mulheres que morrem sem explicação, e outra que sonha com a Europa, uma Turquia que se deseja cientifica e legalista, mas que ainda não sabe muito bem como chegar lá.

Fica de lado a afetação de Climas e 3 Macacos - aquela secura fatalista e ultraestetizada do tempo sempre nublado dos filmes de Ceylan - e o vento que move árvores e plantações e que castiga permanentemente os personagens de Era Uma Vez na Anatólia desta vez tem um propósito. Seria cafona dizer que são os ventos da mudança; na verdade parece o oposto, um vento que sedimenta e paralisa, que força a chama da lamparina a se habituar com sua ameaça perene.

A ideia de sedimento é interessante porque o que Ceylan faz aqui é uma arqueologia do presente, um retrato de um momento muito particular da história turca, que envolve escavar seus costumes para ser percebido. Ao longo de duas horas, a busca pelo cadáver conduzida pelos personagens trapalhões de Ceylan - imagine uma equipe de CSI de terceiro mundo em seu primeiro dia de trabalho - se torna um aprendizado de como lidar com a morte e, por consequência, com a história.

Em Era Uma Vez na Anatólia fala-se o tempo todo de cadáveres. Uma vila os deixa sem enterro porque familiares ainda querem se despedir, um personagem acha que autópsia é uma violência; todos lidam com a morte como se fosse o maior dos tabus, ou um mal profético, pois "em 100 anos nenhum de nós estará aqui". Ceylan realiza um filme poderoso porque faz uma associação que pode nos parecer óbvia - a morte como recomeço - para tratar da "nova Turquia", mas para os personagens não há nada de óbvio nesse desafio de enterrar o passado. A eles cabe avançar devagar no escuro, com seus faróis.

Era Uma Vez na Anatólia | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Excelente!