Idris Elba em Era Uma Vez um Gênio (Reprodução)

Filmes

Crítica

Era Uma Vez um Gênio resume o amor em um filme

George Miller faz o impossível em fábula que passeia entre o íntimo e o épico

31.08.2022, às 18H18.
Atualizada em 31.08.2022, ÀS 18H31

Artistas estão tentando descrever o amor há milênios. De fato, é possível argumentar que este tem sido o singular propósito da arte humana desde os primórdios de seu desenvolvimento: sempre que contamos histórias, essas histórias são sobre amor - mesmo, ou talvez até principalmente, quando não parecem ser. A Ilíada é a narrativa de uma guerra provocada por amor, e o guerreiro Aquiles só vai à batalha para vingar a morte de Pátroclo. Na Bíblia, o amor de Deus pelo homem se torna a peça central da narrativa quando encarnada no corpo de Jesus. Romeu & Julieta. Moulin Rouge!. Matrix. Ozark. O MCU (“Eu te amo 3000”). É tudo sobre amor.

E, se é tudo sobre amor, se o amor é a matéria da nossa arte, confesso que não consigo me lembrar de uma obra de arte mais completa do que Era Uma Vez um Gênio. Certamente não em 2022. O filme de George Miller é uma anomalia, uma contradição em si mesmo: gigantesco no escopo das histórias que quer contar, recorre ao digital e ao artificial em seus pulos de fantasia, mas é também essencialmente um drama íntimo em dueto, confinando a sua narrativa principal a alguns poucos cenários e raramente dando falas a personagens que não são os dois protagonistas.

Explica-se: em Era Uma Vez um Gênio, acompanhamos Alithea Binnie (Tilda Swinton), uma solitária professora de narratologia (o estudo das narrativas humanas através da história) que, durante uma conferência em Istambul, adquire por acaso uma antiga garrafa que é a morada de um gênio (Idris Elba). Para ajudar a acadêmica, que se diz perfeitamente satisfeita com a sua vida, a decidir os seus três desejos, o gênio conta a história de como foi parar na garrafa, e a quais outros mestres já serviu.

Era Uma Vez um Gênio é tão apaixonado pela magia de uma história bem contada que permite que o espectador viaje para os lugares descritos pelo personagem de Elba: palácios gigantescos que passeiam entre o cintilante e o cavernoso, povoados por criaturas bizarras que borram a linha entre humano e mitológico. Com a ajuda de uma equipe técnica afiada, Miller cria um banquete para os olhos e ouvidos, começando pela fotografia banhada em luz dourada de John Seale, passando pelas cordas calorosas e teatrais da trilha de Tom Holkenborg, pelo design de produção barroco de Roger Ford e pelos figurinos discretamente iconográficos de Kym Barret.

A cereja no bolo, claro, é o trabalho de efeitos visuais. Era Uma Vez um Gênio, produzido por US$ 60 milhões (um terço do custo de um blockbuster de Hollywood hoje em dia), joga pela janela o fotorrealismo pretendido por filmes como Duna e O Rei Leão, preferindo abraçar a artificialidade óbvia de uma narrativa feita a partir da memória e das fábulas orais de folclore. Sensações são a prioridade aqui, são elas que o filme realmente busca comunicar em seu belo mundo de lusco-fusco onírico. Quando, por exemplo, vemos o gênio de Elba pendurado no teto, observando a sua amada rainha de Sheba (Aamito Lagum) se entregar para um pretendente ambicioso, é o seu olhar de desespero e a câmera em zoom rápido de Miller que fazem a cena, não a perfeição ou imperfeição do cenário em tela verde.

Acima de tudo, no entanto, todo esse espetáculo sensorial está a serviço de uma história de amor e sobre amor que não poderia existir em outro formato. Era Uma Vez um Gênio precisava atravessar eras, misturar culturas, explorar arquétipos e nos mergulhar no universo ao mesmo tempo extraordinário e familiar da mitologia para fazer seu ponto. O filme diz, essencialmente, que o anseio humano de não estar sozinho atravessa milênios e oceanos, que ele é como a corda que nos une através do tempo e do espaço, o impulso comum que nos leva tanto a formar laços de afeição com aqueles ao nosso redor quanto a contar histórias para eternizá-los.

Tudo que o amor pode ser está em Era Uma Vez um Gênio. Porto seguro na tempestade, silêncio e paz em meio ao caos, identificação e apreciação em um mundo que parece não nos ver, injeção de propósito frente ao niilismo, um lugar para estar quando nos sentimos sem rumo. No entrelaço brilhante de suas muitas histórias, na forma como Tilda Swinton e Idris Elba se esticam (fisica e emocionalmente) na direção do vazio que existe entre eles, a fábula de George Miller escala a alturas estonteantes, respira profundamente o ar rarefeito do lugar onde chegou, e estende a mão para tocar o sublime da própria experiência humana.

Assisti-lo, como amar, é uma experiência que enche o coração.

Nota do Crítico
Excelente!