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Filmes

Crítica

Espiral desperta Jogos Mortais para a justiça social de forma óbvia

Nono filme da série tenta reinventar as coisas sem Jigsaw

18.06.2021, às 12H50.

Um Jogos Mortais sem Jigsaw seria como um Harry Potter sem Harry Potter? Dá pra argumentar que o mínimo necessário para fazer um Jogos Mortais são as armadilhas, a tendência ao chamado torture porn, o discurso moral, e uma trama focada no mistério de quem é o assassino. Se esse mistério engaja os espectadores sem a presença de Jigsaw é o que o nono filme da franquia, Espiral, se dispõe a descobrir. 

A trama aproveita as turbulências da era Black Lives Matter para colocar a força policial no centro da história - o que acontece quase literalmente, porque este terror de baixo orçamento conta apenas com meia-dúzia de cenários e a delegacia onde trabalha o detetive Zeke (Chris Rock) é o principal deles. O filme abre com a morte de um policial que, descobrimos na hora, influenciou casos mentindo sob juramento. Corrupção, violência policial e corporativismo são os ingredientes dos novos castigos.

Diretor dos filmes da série entre 2005 e 2007, Darren Lynn Bousman retorna ao comando em Espiral depois de ter sido convencido por Chris Rock a trabalhar na ideia desta continuação derivada. A principal novidade, como dava para supor e o filme comprova, é exatamente injetar uma dose maior de justiçamento e teor social; Rock protagoniza o longa ao lado de Samuel L. Jackson e a presença de dois astros negros americanos emprestaria prestígio a um gênero barato como o torture porn para jogar luz sobre temas importantes da atualidade.

O que se vê em cena, porém, é um arremedo do que fazia Jogos Mortais funcionar. A começar pelo símbolo do espiral e pela nova fantasia do assassino (uma máscara de porco, em referência ao xingamento que se usa em inglês contra policiais), tudo aqui é bastante óbvio nos simbolismos. Se antes as vítimas permitiam graus distintos de empatia por parte do público - descobrir o que elas fizeram de reprovável moralmente para merecer a armadilha era parte da graça - agora tudo se resume a uma schadenfreude descomplicada contra os famosos porcos fascistas. As cenas das armadilhas se esvaziam de drama e por isso ao longo do filme elas vão parecer deslocadas, apenas uma obrigação burocrática contra culpados óbvios.

O conceito do “pornô de tortura” recebeu esse nome nos anos 2000, em boa medida, porque o prazer que o público tira dele tem uma dose de proibido e condenável, como no próprio pornô. Pois não há muito de proibido no prazer que as condenações justificáveis do filme suscitam, empoderado que ele está desse senso de justiçamento. Então Espiral vai enfileirando tediosamente suas torturas, abusando da boa vontade do público (é um teste de suspensão de descrença acompanhar personagens incapazes de ver um palmo na frente do nariz), até que a revelação do vilão se avizinha, bem óbvia uns bons 30 minutos antes de acontecer finalmente.

A impressão que fica ao final é que não se sente a falta de Jigsaw. Ter o vilão como organizador ou inspirador das reviravoltas, filme após filme, atendia a um prazer específico, que é satisfazer a fantasia dos fãs completistas de que por trás de tudo haveria um quebra-cabeças maior, feito de flashbacks e retcons intrincados. A falta de Jigsaw não se sente porque Espiral, antes de qualquer coisa, se mostra incapaz de atender um prazer anterior e primordial que é o de transportar o espectador para o lugar do torturado. O que sobra então é só o caráter visual e grosseiro da tortura, e daí parece que todas as demais fraquezas de um filme concebido precariamente e muito mal filmado ficam ainda mais vulneráveis.

 

Nota do Crítico
Regular