Cena de Estômago II: O Poderoso Chef (Reprodução)

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Crítica

Estômago II repete receita original e sonda formato de antologia

Segundo filme faz transparecer e confirmar o que tornou o primeiro longa um fenômeno pop

30.08.2024, às 10H04.

O primeiro Estômago conquistou status de cult no cinema nacional com uma produção despretensiosa, de baixo orçamento, mas isso ficou no passado - o segundo filme, exibido no Festival de Gramado 2024 antes da estreia no circuito comercial, atrai à primeira vista pelo tamanho da produção. 

Estômago II: O Poderoso Chef repete, de certa forma, o mesmo formato do original, com duas linhas do tempo simultâneas de passado e presente. A diferença é que, dessa vez, não estamos acompanhando o querido Raimundo Nonato (João Miguel), mas sim Roberto (Nicola Siri), em sua jornada de ator fracassado a chefe da máfia siciliana, culminando na criação de Don Caroglio - um Vito Corleone à brasileira.

No primeiro momento, há uma quebra de expectativa ao entender que Nonato não será o fio condutor da história, mas o personagem continua brilhando como coadjuvante, graças à sua engenhosidade de resolver problemas através da comida. A continuação assim posiciona Estômago como uma obra de antologia sobre comida e poder: já conhecemos o universo e estamos apenas sendo lembrados de como ele funciona. Ao mesmo tempo, a aproximação do primeiro filme com as comédias italianas popularescas se torna agora marca registrada e se consuma de forma mais literal na interpretação canastrona de Siri, que varia do português para o italiano (e pitadas de inglês) com desenvoltura.

Estômago II é um filme de máfia em seu formato mais pop, utilizando de todas as referências que constroem o nosso imaginário sobre o subgênero, incluindo menções diretas a O Poderoso Chefão, locações na Sicília e atores italianos inclinados ao melodramático. É um referencial facilmente reconhecível mundo afora, e o diretor Marcos Jorge claramente tem a ambição de fazer uma obra para o mercado internacional capaz de competir com grandes franquias.Em sintonia com isso estão a montagem ágil, que casa muito bem as cenas de ação e os momentos de violência mais gráficos (típicos de filme de gângster), enquanto os efeitos visuais atestam o orçamento mais vistoso. A distância de um filme para o outro, de 16 anos, não parece diminuir o apelo de Estômago II, na medida em que o filme acompanha conscientemente o interesse crescente do público por narrativas na cozinha, de Masterchef a O Urso

Num contexto em que muitas decisões são tomadas para manter ou transparecer tudo o que ajudou a construir o fenômeno Estômago, qualquer coisa inconclusiva pode ser vista com reserva - e uma delas é o desfecho da história pregressa do protagonista. O primeiro filme acaba com a revelação do motivo da prisão de Nonato, enquanto o segundo apenas nos apresenta como Don Caroglio entra no mundo do crime, mas não nos conta como ele chegou ao Brasil e nem qual foi a ocasião da sua prisão. A ponta solta parece pronta para se resolver em outra continuação, o que contradiz a nova natureza antológica dessas histórias. 

De qualquer forma, Estômago II é grandioso, tem potencial para agradar os públicos em qualquer parte do mundo e uma mensagem que não fica restrita a nenhuma das nacionalidades representadas na história. E, ainda assim, o filme tem muita brasilidade na sua culinária e no retrato (ainda que leve) do sistema prisional brasileiro. Se a franquia continuar crescendo, em formato antológico ou não, será resultado de uma receita criada com esse fim.

Nota do Crítico
Ótimo