Se tivesse sido rodado na Era Bush, Êxodo: Deuses e Reis (Exodus: Gods and Kings, 2014) poderia ser considerado um filme subversivo, no retrato que faz de Moisés (Christian Bale) mais como líder de guerrilha, com sua experiência militar, do que como o profeta pastor de ovelhas descrito na Biblia. Como o filme de Ridley Scott foi produzido nos tempos de Obama, pós-Occupy, sua opção por uma releitura política do livro do Êxodo - em que os egípcios fazem o império e os hebreus, os "terroristas" -, por mais contestadora que possa parecer, termina sendo um tanto fácil hoje em dia.
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Embora Bale explique no início da trama que o termo israelita significa "lutar com Deus", Êxodo: Deuses e Reis não se dispõe ao enfrentamento teológico como, por exemplo, o Noé de Darren Aronofsky - um filme muito mais arrojado na sua reinterpretação do texto bíblico. Pela própria natureza da história de Moisés - que assistiu sem questionar à política de terror do Deus do Velho Testamento, com suas terríveis pragas, contra os politeístas do Egito - Scott ignora os questionamentos do homem diante do desígnio divino e transforma o episódio em uma discussão sobre o sionismo.
"Hoje os povos judeus se unem na peregrinação. O que vai acontecer quando se assentarem?", pergunta Moisés no caminho de Canaã, como se antevesse a inversão, nos dias atuais, da situação entre israelenses e palestinos, o império e os "terroristas". É uma analogia interessante, que toma boa parte do bom primeiro ato de Êxodo: Deuses e Reis, com seus diálogos sobre fanatismo e revolução. A partir daí, talvez satisfeito com o insight ou então por ser incapaz de encontrar uma única resposta, Scott deixa a discussão se diluir.
E então o épico se entrega a outra facilidade: a do espetáculo sob registro "realista". A escolha por um Moisés militarista se justifica para render uma ou outra cena de ação - batalhas campais que Scott filma com a habitual competência - e os momentos mais fantásticos, a entrega da tábua dos mandamentos e a abertura do Mar Vermelho, são encenados com a sobriedade de um teste de laboratório, diante dos quais os exageros de Cecil B. DeMille em Os Dez Mandamentos parecem verdadeiros milagres da imagem.
Resta a Bale o esforço de tentar encontrar no seu Moisés uma performance que seja convincente e não somente uma variação do cair-para-poder-levantar do seu velho Bruce Wayne. Quanto a Joel Edgerton, tremendamente diminuído na figura de um Ramsés que desinteressa a Scott (o faraó, aqui, não é muito mais do que o cone que representa o império), a sua escalação etnicamente deslocada estava malfadada desde o princípio.
Êxodo: Deuses e Reis não é o primeiro épico que interessa ao diretor por sua oportunidade de conciliar política e espetáculo. Diante deste filme, inclusive, dá vontade de rever o subestimado Cruzada, para colocá-los em perspectiva. Fica a torcida para que a eventual versão estendida de Êxodo também seja superior à original, então.
Êxodo: Deuses e Reis | Cinemas e horários