Não chega ainda a ser uma tradição, mas o documentário em dois tempos, desde Cabra Marcado para Morrer (1964-1984) até Santiago (1992-2007), está se tornando familiar ao cinema nacional. Serve não apenas para radiografar uma sociedade que muda rápida e constantemente, como a brasileira, mas também para colocar em perspectiva o próprio processo de filmar.
Família Braz - Dois Tempos
Família Braz - Dois Tempos
Família Braz - Dois Tempos
Família Braz - Dois Tempos, melhor filme no É Tudo Verdade 2011, se concentra no primeiro propósito; não é um documentário com a carga metalinguística dos filmes de Eduardo Coutinho ou João Moreira Salles. Antes de mais nada, é um trabalho que se pretende pontual: acompanhar no ano 2000 uma família de Brasilândia, Zona Norte de São Paulo, e descobrir o que mudou nela em 2010.
No período, a família Braz passou a figurar oficialmente nas estatísticas de classe média. Faculdade, cursos de inglês, carros novos na garagem, viagens de cruzeiro. As transformações, como em tudo, se percebem mais facilmente com os jovens, mas os pais também mudam. Em dez anos, o pai de quatro filhos, pedreiro, continua dizendo que é "um profissional competente na parte hidráulica", mas em 2010 ele deixa o seu serviço pesado para cinco funcionários.
A bonança dos anos Lula é o dado mais evidente do filme, e gera comentários interessantes do ponto de vista comportamental, como o filho mais velho que, agora casado e com apartamento próprio, faz piada com as "gambiarras" da família, como se fosse alheio a elas. Orgulho das origens é uma constante ("não tenho vergonha de dizer que já fiquei sem luz", diz a filha que completou 30 anos em 2010), assim como um senso de gratidão tipicamente brasileiro: todas as conquistas são "graças a Deus".
Nas entrelinhas está o essencial. O que os diretores Arthur Fontes e Dorrit Harazim dizem, pela escolha dos depoimentos, é que a família Braz não prospera só porque o vento econômico está a favor, mas por uma questão de estrutura. Em 2000, a mãe da família, que faz trabalho comunitário, fala em educação sexual. Em 2010, nenhum dos quatro filhos deu a ela um neto; na verdade, o mais velho diz pra câmera que não pretende ser pai. Um genro reconhece que a família é um modelo para outras em Brasilândia.
Até que ponto, portanto, os Braz são uma amostragem fiel do bairro? Há momentos em que o filme, no vaivém temporal, faz associações enviesadas (como sugerir que o pai hoje lava a louça e antes ficava na frente da TV), mas o principal dilema é mesmo de metodologia. Ao fazer um recorte, o filme aliena o entorno - saber que uma das filhas namorou um drogado assassinado na região é a única informação que recebemos da vizinhança.
Não dá pra condenar o documentário por isso, é uma escolha das muitas a se fazer. O que fica claro, porém, é que os Braz, isolados de um contexto de periferia paulistana, eleitos modelos da nova classe média, servem exemplarmente a essa defesa do planejamento familiar, a que no fim o documentário se propõe.
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