Talvez eu esteja criando celeuma ao dizer isso, mas vamos lá: McG é um bom diretor, de certa forma até emblemático de sua era. Vindo dos videoclipes noventistas, ele definiu muito do que se entende como cinema de ação comercial durante a primeira década do novo século - os seus dois filmes de As Panteras, seu trabalho no piloto de Chuck e até sua tentativa de manter a franquia O Exterminador do Futuro viva (com A Salvação, de 2009) estabeleceram um toque leve no drama e uma abordagem desavergonhada em relação à artificialidade do cinemão hollywoodiano, essencial nessa época em que os efeitos digitais ainda engatinhavam. Já seu retorno aos holofotes via streaming, especialmente com A Babá (2017), revelou também que havia ali um artista de gênero, se não exatamente eloquente, ao menos fluente na linguagem do vulgar.
É justamente essa fluência que ele traz para Feios, adaptação tardia da série literária de Scott Westerfeld que, iniciada originalmente em 2005, foi contemporânea bem sucedida de sagas infantojuvenis de fantasia e ficção científica já há muito transportadas para as telas (leia-se Crepúsculo, Divergente, Jogos Vorazes, Maze Runner, e por aí vai). Quase vinte anos depois de sua publicação, Feios é incontornavelmente uma história fora do seu tempo, um remix de chavões narrativos e mensagens pseudo-revolucionárias que soarão absurdamente familiares para a geração que cresceu com uma Hollywood obcecada por capitalizar - ou, mais frequentemente, falhar em capitalizar - na popularidade do subgênero.
Na trama, Tally Youngblood (Joey King) aguarda ansiosamente o seu aniversário de 16 anos, marca em que todos os cidadãos de sua sociedade futurista recebem cirurgias plásticas para “se transformar na melhor versão de si mesmos”. No entanto, a melhor amiga da moça, Shay (Brianne Tju), apresenta a ela uma alternativa: um acampamento rural liderado por David (Keith Powers), que ainda por cima promete revelar segredos arrepiantes sobre os bastidores do governo autoritário dos “bonitos”, liderado pela Dra. Cable (Laverne Cox). Aí se constrói o dilema entre docilidade e revolução, se encaixar ou se rebelar, que guiava todas as heroínas desse período da ficção - adicione um triângulo amoroso, complementado pela paixonite de infância de Tally, o agora “bonito” Peris (Chase Stokes), e você tem a receita completa.
O roteiro em si, assinado por Jacob Forman (Homens da Lei: Bass Reeves), Vanessa Taylor (A Forma da Água) e Whit Anderson (Demolidor), se engaja com esse texto sem um pingo de ironia. A gravidade dos diálogos, o interesse em aproximar os personagens do público jovem “comum”, o tom de quem ensina uma lição sem precisar falar de cima para baixo - está tudo aqui, exatamente como o público do gênero está acostumado. E as performances também se encaixam bem na chave do convencional, fazendo investidas no campo do kitsch só dentro de limites muito seguros: Laverne Cox e sua postura exageradamente reta, se movendo pelos sets em posição de sentido ameaçadora, ou Brianne Tju soltando um sorrisinho de lado na hora da sua transformação de tomboy em patricinha sexy.
Cai sobre os ombros da direção, portanto, a responsabilidade de reconhecer - pelo menos - o fato de que Feios perdeu o timing para existir como obra corrente, e que agora só pode existir como paródia ou como instrumento de nostalgia. E McG até tenta, se aliando especialmente ao seu montador habitual, Martin Bernfeld (aqui assistido por Brad Besser), para criar um longa que se move sem muita cerimônia pelas batidas mais previsíveis da trama, que não esconde a precariedade de sua produção de médio orçamento para streaming (e, aliás, se diverte com a falta de credibilidade física de suas cenas de ação), que acima de tudo reconhece o esvaziamento da intenção inicial da narrativa. Pensado para guiar leitores jovens diante de dilemas muito urgentes de imagem corporal, agência, liberdade na era do corporativismo, o fato é que Feios agora conversa com o público que já foi absorvido pelo mundo, e - com alguma sorte - encontrou um lugarzinho para si dentro dele.
McG faz o que pode para se aproveitar do espaço de respiro que o alívio dessa responsabilidade concede à adaptação tardia que está dirigindo. Nas melhores cenas do longa, dá para sentir o cineasta testando o fôlego do gênero para sobreviver em um contexto contemporâneo. Se Feios encontra alguma medida de entretenimento pelo caminho, enfim, é culpa dele - mas, por mais interessante que seja o exercício, é difícil escapar da sensação que dessa vez ele assumiu uma missão impossível.