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30 anos depois de O Silêncio dos Inocentes, Jodie Foster volta a uma prisão

The Mauritanian, filme sobre Guantánamo que rendeu um Globo de Ouro à atriz, estreou nesta sexta no Festival de Berlim

05.03.2021, às 16H54.

Num ano fraco em filmes de Hollywood no Festival de Berlim, o último dia do evento fez a estreia mundial (e online) do thriller político The Mauritanian (O mauritano, em tradução livre). Com elenco de peso – Jodie Foster, Benedict Cumberbacth, Shailene Woodley –, o filme volta a tocar na maior ferida da história recente dos Estados Unidos: a base de Guantánamo, criada em Cuba para prender suspeitos ligados aos atentados do 11 de setembro de 2001 às Torres Gêmeas, bem longe dos tribunais americanos.

The Mauritanian chegou forte em Berlim depois do Globo de Ouro de melhor atriz coadjuvante para Jodie Foster, além de uma indicação a melhor ator dramático para Tahar Rahim, francês de ascendência árabe que vive o prisioneiro mauritano do título.

Comentário à parte: os fãs de Foster vão amar vê-la primeira vez de cabelos brancos, e voltando a visitar uma cela 30 anos depois de sua imortal Clarice Starling, a agente do FBI de O Silêncio dos Inocentes, que lhe rendeu seu segundo Oscar de melhor atriz.

Desta vez, em vez de ouvir o canibal Hannibal Lecter, ela (como a advogada Nancy Hollander) vai defender Mohamedou Ould Slahi (Rahim), que ficou preso durante 14 anos e foi barbaramente torturado em Guantánamo sem que uma única acusação fosse feita contra ele. Ele lançou um livro com sua história, Diário de Guantánamo, que caiu como uma bomba contra o exército americano e os governos de George W. Bush e Barack Obama e rendeu até canção de Bob Dylan.

Slahi era um rapaz brilhante da Mauritânia, uma república islâmica no nordeste da África, que ganhou uma bolsa para estudar engenharia elétrica na Alemanha. Seu grande pecado: um dia, ele atendeu o telefonema de um primo que trabalhava para a Al Qaeda, a organização terrorista que tramou o 11 de setembro. Detalhe fatal: a ligação partiu de um celular do próprio Osama Bin Laden, o mentor da organização. Logo depois, o primo transferiu a Slahi uma quantia em dinheiro para ajudar a pagar a cirurgia do tio. Para o exército americano, não havia dúvida: Slahi era integrante da Al Qaeda e ajudou a tramar os atentados.

O que se segue é a luta colossal de Nancy para provar a inocência de Slahi, com documentos totalmente apagados pelo governo, mas outros que comprovavam com todas as letras as sessões de tortura a que ele foi submetido, que incluíam até “humilhação sexual” por soldados do sexo feminino. (As cenas de tortura e humilhação estão entre as melhores e mais fortes do filme).

The Mauritanian é aquela clássica história de justiça (ou injustiça) que Hollywood faz muito bem. O britânico Benedict Cumberbatch (de Doutor Estranho) capricha no sotaque americano para viver um oficial do Exército designado para fazer a acusação ao mauritano, mas que logo descobre o castelo de mentiras por trás da história. Shailene Woodley (da série Divergente) vive a assistente de Nancy, que passa a ter dúvidas sobre a inocência de Slahi. A direção é do escocês Kevin MacDonald, conhecido por outros filmes políticos como O Último Rei da Escócia e o documentário Um Dia Sem Setembro, vencedor do Oscar. O filme ainda não tem previsão de estreia no Brasil.

Sobre Guantánamo, os letreiros finais nos lembram: ao longo de mais de 15 anos, foram 779 detidos, sendo que apenas oito foram formalmente acusados – e destes, três foram inocentados pela Justiça. Um total fracasso político e humanitário do país que se diz o grande defensor da liberdade.

Nota do Crítico
Ótimo