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Flores Raras | Crítica

Rasgando a fantasia

15.08.2013, às 19H51.
Atualizada em 21.09.2014, ÀS 15H04

Em Flores Raras, o novo filme do diretor Bruno Barreto, baseado em fatos, os clichês de exportação do Brasil, do sexo às paisagens, manifestam-se de forma tangível, verdadeira, sem deixarem de ser projeções de um Brasil de fantasia.

flores raras

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A trama ficcionaliza a relação da poetisa americana Elizabeth Bishop (Miranda Otto) com a arquiteta e paisagista carioca Lota de Macedo Soares (Glória Pires), no Rio de Janeiro nos anos que antecedem o golpe militar. Convidada pela então namorada de Lota a conhecer o sítio construído pela arquiteta autodidata em Petrópolis, Elizabeth se envolve com a brasileira e acaba ficando por lá, indefinidamente - período de idílio que termina por influenciar a obra da poetisa, vencedora do Pulitzer em 1956.

Antes que isso perigue se tornar um tema em seu filme, Barreto já trata o amor gay como uma não-questão, sem escândalo ou gravidade, da mesma forma que o triângulo amoroso do seu Dona Flor e seus Dois Maridos (1976) dava conta de afetos e carências antes de ser uma quebra de tabu. Miranda Otto e Glória Pires colaboram interpretando essa relação lésbica com entrega e sem afetações; se Lota se impõe com vigor sobre a estrangeira, é para demarcar um jogo de poder que interessa ao diretor.

Pois esse é o primeiro dos clichês - o da amante latina, sanguínea - a que o filme recorre para problematizar a imagem que se fazia (e se faz) do Brasil nos principais anos do País do Futuro, durante o governo JK, cujo empreendedorismo Lota de Macedo Soares, a idealizadora do Parque do Flamengo, personifica em Flores Raras. Não são só a luz da paisagem tropical e a harmonia da arquitetura modernista que seduzem Elizabeth Bishop a ficar, mas principalmente a presença de Lota - sem a qual, numa primeira leitura que o filme sugere, esse cenário de sonho não existiria.

A confusão que essa leitura cria é a mesma que marca o Brasil desde aquela época: um senso de posse, do povo-abençoado-por-Deus, destinado a caminhar sobre o Trópico com propriedade, ao invés de conquistar esse espaço um dia após o outro, para justificar esse privilégio. A fantasia se desfaz sem que a alta roda do Rio de Janeiro (o ator Marcello Airoldi ficou igualzinho ao ex-governador Carlos Lacerda) perceba; enquanto Lota faz o papel de motor do futuro, dinamitando obstáculos, a ilusão de ordem e progresso é derrubada às suas costas, com o autoritarismo do golpe de 1964.

Então no fim a dinâmica entre Lota de Macedo e Elizabeth Bishop, que no começo do filme pendia para a primeira, como se a americana fosse anulada por Lota, equaliza-se à medida em que os clichês se desfazem. À questão da identidade nacional, a poetisa contribui não só com seu olhar de estrangeira, mas particularmente com sua sensibilidade de artista, enxergando o que nosso orgulho não nos deixa ver.

Flores Raras | Cinemas e horários

Nota do Crítico
Bom